O Mestre Omraam Mikhaêl Aivanhov (1900-1986), filósofo e pedagogo de origem búlgara, foi para França em 1937. Embora a sua obra aborde os múltiplos aspectos da ciência iniciática, ele precisa: «Cada um deve trabalhar para o seu próprio desenvolvimento, na condição de não o fazer unicamente para si próprio, mas para o bem da colectividade. Nesse momento, a colectividade torna-se uma fraternidade. Uma fraternidade é uma colectividade onde reina uma verdadeira coesão, porque, ao trabalhar para si mesmo, cada indivíduo trabalha também, conscientemente, para o bem de todos.»
«Imaginai que, um dia, se anunciava aos crentes de todas as religiões do mundo inteiro: “De agora em diante, deixará de haver lugares de culto, cerimónias, clero, estátuas e imagens santas. deixará de haver tudo o que seja material e exterior, vós adorareis Deus em espírito e em verdade.” Seria o vazio para eles, sentir–se-iam perdidos. Só um ser excepcionalmente evoluído pode encontrar no seu espírito, na sua alma, o santuário onde entrará para se dirigir ao Senhor, para contactar, sentir e respirar os esplendores do Céu. Evidentemente, um tal alargamento da consciência é desejável. Para aqueles que são capazes de o atingir já não existem limites, pois o mundo da alma e do espírito é o mais belo, o mais vasto: eles podem trabalhar até ao infinito para construir o seu futuro de filhos . filhas de Deus.»
Omraam Mikhael Aivanhov
VI
A CONSTRUçãO DO EDIFÍCIO
Consideremos o exemplo dos músicos de uma orquestra: violinistas, violoncelistas, flautistas, clarinetistas, oboístas, etc. Cada um tem a sua partitura diante de si e concentra-se nela; para tocar, não é obrigado a conhecer a partitura dos outros músicos. Mas, lá adiante, em frente da orquestra, em cima de um estrado, para ficar bem visível por todos, há um maestro que conhece todas as partituras e que está atento para que cada músico se faça ouvir no momento pretendido e respeite também o compasso, os tons, etc. Senão, seja qual for a beleza das frases musicais que cada um toca individualmente, nunca será uma sinfonia, mas uma cacofonia assustadora.
Ora, o que é que se passa na vida? Por toda a parte encontramos pessoas competentes na sua profissão – digamos que sabem tocar a sua partitura –, mas que não têm uma visão de conjunto. Já é bom, evidentemente, que sejam boas na sua especialidade, mas a ignorância do conjunto provoca toda a espécie de anomalias e desordens. Na medida emque se limitam às ideias, aos pontos de vista, que lhes são inspirados pela sua posição individual, elas não podem compreender a totalidade das situações, pois não têm o verdadeiro conhecimento. Numa certa medida, podemos achar que são desculpáveis, mas, na realidade, não o são: deveriam trabalhar para tornar-se, também elas, maestros, isto é, elevar-se até ao ponto em que pudessem ter uma visão precisa do conjunto e, assim, agir corretamente em todas as circunstâncias que se lhes apresentam.
Direis: «Sim, mas esse ponto de vista é o de Deus, do Criador.» É verdade, mas o que o homem tem a fazer é trabalhar para se aproximar do Criador. Jesus não disse: «Sede perfeitos como o vosso Pai Celeste é perfeito»?1 Por isso, um verdadeiro discípulo de Jesus compreende a necessidade de ter esta visão de conjunto, de se aproximar do ponto de vista do Criador.
Todos os que têm uma responsabilidade familiar, social, profissional, política, devem esforçar-se para encontrar interiormente este ponto de vista elevado, de onde poderão dominar todos os aspetos dos problemas que têm de resolver. Assim, tomarão as decisões mais justas para todos. Direis: «Mas não há a certeza de que estas decisões justas sejam aceites; a maior parte das pessoas só se preocupa em defender os seus interesses egoístas e não é fácil levá-las a reconhecer os interesses dos outros.» É verdade, mas, mesmo que algumas das vossas análises e conclusões acertadas não sejam aceites, isso não é razão para abandonardes os vossos esforços. A partir do momento em que conseguistes elevar-vos até este ponto de vista superior, haverá outras ocasiões na vida em que as fareis triunfar. Nenhum dos esforços que se faz para progredir no caminho da lucidez e do altruísmo se perde. E, mesmo que os outros vos chamem sonhadores, utópicos, iluminados ou até “malucos” – os qualificativos não faltam! –, sabeis que estais a aproximar-vos da verdade e não deveis desanimar.
Os verdadeiros Iniciados, os verdadeiros Mestres espirituais, são maestros. Direis vós: «Mas eles estão sós, não têm músicos para dirigir!» Desenganai- -vos, eles têm neles próprios uma orquestra e dirigem essa orquestra dia e noite. Sim, todos os seus órgãos, todas as suas células, formam uma orquestra e cantam e tocam as partituras que lhes são apresentadas. Cada parte do corpo – o cérebro, o estômago, o coração, as mãos, os pés, os ouvidos, os olhos, a boca, etc. – tem a sua atividade, graças à qual contribui para a harmonia do organismo. Sim, mas o bom funcionamento no plano físico não é suficiente. Por isso, um Iniciado interroga todos os dias os seus órgãos. Ele pergunta às pernas: «Aonde é que me levais?»; aos braços: «Que ações estais a preparar?»; à boca: «Que palavras vais pronunciar?»; aos olhos: «E vós, para onde olhais?»; e ao cérebro: «Em que pensamentos estás concentrado?»… e esforça-se por estabelecer e manter a harmonia entre todos.
Também vós, se quereis manifestar-vos como discípulos inteligentes, conscientes, deveis tornar-vos bons maestros. Em cada dia, velai no sentido de que os órgãos do vosso corpo físico trabalhem harmoniosamente para se manterem saudáveis e pensai também em orientar a sua atividade para um propósito superior, a fim de eles não produzirem dissonâncias no organismo cósmico.
Seja qual for o assunto que eu aborde, ouvis-me sempre voltar ao mesmo pensamento: como utilizarmos todos os elementos que existem em nós e à nossa volta para progredirmos no caminho da harmonia universal.
Posso dar-vos uma outra imagem: a de um edifício cujos materiais ainda estão amontoados desordenadamente, sem se saber qual é o seu lugar em relação uns aos outros. Para se conhecer esse lugar, é preciso ter o plano, quer dizer, subir até Àquele que concebeu o edifício, o Arquiteto, Deus.
A Criação existe, o edifício está construído, a questão que se põe ao homem é a de saber o que deve fazer com tudo o que tem à sua disposição para poder construir a sua própria existência, pois o homem faz parte do edifício, mas não pertence a este conjunto como se fosse somente uma pedra, uma planta ou um animal. Enquanto ser consciente, pensante, ele tem outro papel a desempenhar. Não lhe basta fazer o inventário do que existe, precisa de conhecer todos os materiais e de aprender a utilizá-los para edificar a sua própria vida participando na edificação da vida coletiva.
Sim, mais cedo ou mais tarde, cada um será obrigado a fazer este trabalho, a participar na construção deste edifício: a vida coletiva, a vida universal. Todas as nossas atividades devem convergir para a vida universal. Quando levamos uma vida individualista, egoísta, separada do Todo, é como se nos limitássemos a amontoar materiais sem sermos capazes de fazer deles o que quer que seja. Infelizmente, é o caso da maioria dos humanos: limitam-se a amontoar materiais e depois sofrem uma derrocada debaixo deles. É preciso que eles se decidam a fazer alguma coisa com esses materiais! Mas antes têm de aprender a conhecer o plano do Arquiteto que é o próprio Deus. Ao procurarem conhecer o plano do Criador, serão obrigados a identificar-se com Ele, e assim, pouco a pouco, encontrarão interiormente a parte deles próprios pela qual são semelhantes a Deus.2
Então, de agora em diante, não fiqueis surpreendidos por constatar que, qualquer que seja o meu ponto de partida, o ponto de chegada é sempre o mesmo. Eu devo recordar-vos incansavelmente o fim a alcançar: construir o edifício. Enquanto vos limitardes a acumular conhecimentos, informações sobre toda a espécie de assuntos, talvez possais estar orgulhosos de ter uma “boa bagagem intelectual”, como se diz, mas não será isso que vos permitirá evoluir e contribuir para a evolução de toda a humanidade, ao passo que, com o Ensinamento dos Iniciados, mesmo com pouquíssimos conhecimentos, ireis muito longe. Se mantiverdes sempre na vossa mente esta ideia do edifício a construir – o edifício interior e o edifício coletivo –, ela vivificar-vos-á, iluminar-vos-á, ressuscitar-vos-á, salvar-vos-á.
Evidentemente, se fordes capazes de nunca perder a orientação correta e, ao mesmo tempo, tornar-vos um poço de sabedoria, avançai! Mas, se perderdes de vista a vossa missão – a construção do edifício –, mesmo que sejais considerados como uma sumidade pelos humanos, o Céu verá somente que atravancastes a vossa alma e o vosso espírito com uma quantidade de objetos inúteis.
O que quer que façais ou penseis, tudo deve encontrar o seu lugar na harmonia da vida universal. Eis o que eu faço diante de vós desde sempre: insisto na harmonia.3 Qualquer que seja o pormenor da vida sobre o qual eu me debruço, chego sempre à mesma conclusão. Talvez vos lastimeis: «Oh!, é aborrecido, é sempre a mesma coisa!»… Mas não pode haver outra coisa. Ficai sabendo que essa necessidade que tendes de vos dispersar é uma armadilha. A realidade é feita de uma infinidade de diferentes pormenores e é atrativa, evidentemente, mas a razão de ser de todos esses pormenores é participarem numa mesma construção, entrarem no mesmo projeto cósmico. É também o que Jesus queria exprimir quando dizia: «Sede perfeitos como o vosso Pai Celeste é perfeito.» Tornar-se perfeito é restabelecer a ordem entre todos os elementos dispersos.
Evidentemente, ainda haveria muitas coisas a dizer sobre esta noção de perfeição. Consideremos o exemplo dos animais. Diz-se que os animais são perfeitos. Sim, enquanto animais, tal como são, ao seu nível de animais, são perfeitos. Apenas com alguns dias de vida, andam, nadam, correm e rapidamente atingem a maturidade, ao passo que o homem, quantos anos são precisos para ele alcançar o seu pleno desenvolvimento! Em relação ao desenvolvimento físico, a coisa ainda vai mais ou menos, mas o desenvolvimento psíquico e o desenvolvimento espiritual nunca mais acabam.
Tomemos um outro exemplo. Quando uma criança tem de começar a ir à escola, é desejável que seja “perfeita”, isto é, que os seus braços, pernas, olhos, ouvidos e cérebro funcionem corretamente. Se tiver alguma deficiência, física ou mental, tudo será muito mais difícil para ela; é preciso que todos os seus órgãos físicos e psíquicos estejam em bom estado para ela poder progredir. Da mesma maneira, para o homem alcançar a perfeição de que fala a Iniciação, isso implica, em primeiro lugar, que os órgãos da vida psíquica e espiritual estejam bem desenvolvidos e em bom estado de funcionamento; só nesta condição é que ele pode encaminhar-se para a perfeição de Deus, que é omnisciente, todo amor e omnipotente.
Alguns de vós atingiram o primeiro grau de “perfeição” que lhes permitirá, à custa de trabalho, evoluir e atingir, ao cabo de encarnações e encarnações, a perfeição do próprio Deus. Nesse momento, poder-se-á dizer que participastes verdadeiramente na construção do edifício. Ora aí está: é preciso ser perfeito para se tornar perfeito! Está claro? Compreendeis-me?…
Notas 1. Cf. O verdadeiro ensinamento do Cristo, Col. Izvor n.º 215, cap. III: «Sede perfeitos como o vosso Pai Celeste é perfeito». 2. Cf. La foi qui transporte les montagnes, Col. Izvor n.º 238, cap. X: «L’identification avec Dieu». 3. Cf. Harmonia e saúde, Col. Izvor n.º 225, cap. II: «O mundo da harmonia».