PARTE II – 4 – A PUREZA NOS TRÊS MUNDOS
Nestes últimos dias, meus caros irmãos e irmãs, eu comecei a
dizer-vos algumas palavras acerca da pureza: a pureza no plano
físico, no plano astral e no plano mental. É claro que eu não vos
disse tudo, ainda há muitas coisas a acrescentar.
Em francês, para falar da pureza no plano físico, isto é, em
relação ao corpo, às roupas, aos objetos, utilizam-se as palavras
“limpo”, “limpeza”, “asseio”. Em relação ao plano físico, não se
fala de pureza. A pureza corresponde a um domínio superior, o do
coração, dos sentimentos, das emoções. A pureza e a limpeza são
duas coisas diferentes: pode-se estar limpo, asseado, sem se estar
puro, e pode-se estar puro sem se estar limpo. Por exemplo, os
sadhus e os yoguis da Índia têm uma grande pureza nos seus pensamentos
e nos seus sentimentos, mas exteriormente, meu Deus!,
nem sempre se poderá dizer que eles estejam limpos. Ao passo que
muitos europeus, pelo contrário, lavam-se todos os dias, mesmo
várias vezes por dia, mas interiormente não são puros. Observai
também os gatos: não encontrareis animais mais asseados do que
os gatos, mas eles não são puros. Não são puros porque só pensam
nos ratos e engolem-nos com pele e intestinos. Há muitos humanos
que se assemelham aos gatos!… Mas vós já sabeis tudo isto.
Se formos um pouco mais alto, para exprimir a pureza no
plano mental, no plano dos pensamentos, encontramos as palavras
“santo”, “santidade”. Os Serafins, que São João contemplou junto
do trono de Deus, não cantavam: «É limpo, é limpo, o Senhor» ou
«Ele é puro, Ele é puro…» Não, eles repetiam: «Santo, santo, santo
é o Senhor Deus Todo-Poderoso.» O pensamento é o domínio das
intenções, dos propósitos, dos objetivos; portanto, quando um ser
obtém uma grande inteligência, uma grande luminosidade, quando
o seu objetivo é cumprir os projetos de Deus, realizar a vontade de
Deus, ele santifica-se.
Na língua hebraica também encontramos termos que exprimem
a pureza nestes três planos: físico, astral e mental. O corpo físico é
guph e para ele existe o adjetivo tsah, que quer dizer “limpo”. Em
relação ao coração, a parte astral, que se chama nephesch, diz-se
tam: “puro”. Finalmente, em relação a ruah, o espírito (ou, ainda
mais acima, neschama: a alma divina), diz-se kadosch: “santo”.
E os santos são designados por kédoschim. Portanto, como vedes:
tsah, tam e kadosch. Para nephesch, existe mesmo um adjetivo
mais adequado do que tam, é tahor. Está escrito nos Salmos:
Lev tahor bara li Elohim… (Senhor, cria em mim um coração
puro…)
Ve ruah kadscheha al tiqar mi méni (e não me tires o teu espírito
santo).
Por certo se encontram as mesmas correspondências nas outras
línguas.
Até agora, quando ouvíeis falar da pureza, ela tinha para vós
um significado geral, mas hoje, que estou a falar em pormenor das
palavras “limpeza”, “pureza”, “santidade”, esta questão começa a
ser bastante mais clara para vós, não é verdade? Diz-se na oração
dominical: «Pai nosso, que estás nos céus, santificado seja o teu
nome…»1 Santificado e não purificado… ou lavado… ou limpo. A
santificação é uma forma de purificação, mas já não é a pureza do
plano astral. A santificação está ligada ao mundo do pensamento; é
na maior luminosidade do nosso pensamento que o nome de Deus
deve ser santificado.
Na santidade está contida a ideia de luz. Como eu já vos disse,
na língua búlgara existem termos que indicam essa correspondência
exata. “Santo” diz-se svetia, e “santidade”, svetost. “Luz” diz-se
svetlina, “eu brilho” diz-se az svetia, e “mundo”, svet. Portanto, o
santo não é mais do que um ser que possui a luz que o faz brilhar,
a luz que cria os mundos. É a luz que lhe confere a santidade. Em
francês, as palavras “santo”, “luz”, “brilhar” e “mundo” têm raízes
muito diferentes, ao passo que em búlgaro, como vedes, svetia, svetost,
svetlina, az svetia, svet… têm a mesma raiz. É extraordinário!
Geralmente, quando se fala de um santo, só se pensa numa das suas
qualidades: a pureza; não se fala da sua luz, como se ele não tivesse
luz, quando, na realidade, a santidade é uma qualidade da luz, da
luz pura que brilha no plano mental, lá onde se encontram a inteligência
e a compreensão.
Diz-se: «Santificado seja o teu nome». Mas onde? Nas casas?
Nos templos? Não, é na nossa mente, no nosso pensamento, que o
nome de Deus deve ser santificado. E, para se santificar o nome de
Deus, primeiro é preciso conhecê-lo, compreendê-lo em todo o seu
esplendor. Vós direis: «Compreender… compreender… Mas toda a
gente compreende!» De modo nenhum. Se toda a gente compreendesse
o nome de Deus, as coisas seriam diferentes. Porque também
está escrito: «A vida eterna consiste em conhecer-Te a Ti, o único
verdadeiro Deus, e ao Cristo que Tu enviaste.» Santificar o nome
de Deus é conhecer todas as qualidades, todas as propriedades,
todas as virtudes do seu nome, para se poder compreender o que
Ele é, o que é, na realidade, o seu espírito, o seu amor… a fim de se
poder compreender como Ele criou o mundo. Portanto, conhecer o
nome de Deus, santificar o nome de Deus, é um trabalho imenso,
sublime.
Existe um ponto sobre o qual eu gostaria de vos dar alguns
esclarecimentos. Eu disse-vos ainda há pouco que se podia estar
limpo sem se ser puro e que se podia ser puro sem se estar limpo,
e é verdade; mas devo acrescentar que é impossível alguém tornar-
-se santo se antes não se tiver purificado. Sim, para se ser santo,
primeiro tem de se ser puro.
Vou dar-vos uma imagem. No passado, as pessoas iluminavam-
-se com candeeiros a petróleo, e todos os dias era preciso limpar
o vidro enegrecido pelo fumo. Pois bem, a pureza é isso: o vidro
limpo; e a luz que passa através dele é a santidade. Eis por que
devemos purificar-nos; para que a nossa luz interior possa aparecer
no exterior. A centelha está em cada um de nós, mas ela não
pode manifestar-se porque o vidro não está limpo. Tudo está contido
nesta imagem. Quando o homem for puro, a santidade poderá
manifestar-se nele. A pureza é apenas uma condição, ao passo que a
santidade é um objetivo. Quando a alma se manifesta através do seu
coração, o homem é puro; quando o espírito se manifesta através do
seu intelecto, o homem é santo.
A santidade vem de cima, vem de Deus, mas a pureza vem de
baixo, do lugar onde o homem tem a possibilidade de escolher e
de limpar as coisas. O que é que se passa quando deitais água pura
numa taça suja?… A ambrósia vem de Deus, mas o nosso cérebro,
o nosso coração, todo o nosso ser, é o recipiente que nós devemos
limpar para receber essa ambrósia. Vós dizeis: «Há muito tempo
que eu ergo a minha taça ao Senhor.» Sim, mas o Senhor responde-
-vos: «Enquanto não limpares a tua taça, eu não deitarei nada dentro
dela.» Muitas vezes, os homens erguem para o Céu recipientes
inimagináveis e, algumas vezes, até – desculpai-me! – bacios. Por
isso, os seres do alto dizem entre si: «Se deitarmos ambrósia no
seu recipiente, isso irá fazer-lhe mal.» Muitas vezes, é para nossa
segurança que os seres do alto nos deixam vazios.
Esta questão é muito importante, meus caros irmãos e irmãs, e
deveis refletir sobre ela. A santidade vem de Deus, mas a pureza só
pode vir de nós, nós é que temos de criá-la e introduzi-la em nós. A
santidade vem do alto; enquanto o Espírito Santo não vem visitar-
-nos, não podemos ser santos. Mas, quando o Espírito Santo vem
até nós, é porque já somos puros, e pela sua presença ele santifica-
-nos.2
Na oração dominical, também é dito: «Seja feita a tua vontade,
assim na terra como no Céu.» Estais a ver? «A tua vontade».
Por que é que os Iniciados desejam cumprir a vontade de Deus?
Porque é um ato mágico. Desejando, com todas as suas forças,
realizar a vontade do Senhor, eles ligam-se a Ele, e é justamente
nessa união que conseguem tornar-se puros e santificar-se. Dir-me-
-eis: «Como?… A pureza não tem nada a ver com isto!» Sim, tem!
Quando um homem quer realizar a vontade de Deus, o seu ser fica
ocupado, reservado, fica fechado a todas as outras influências, e
então as vontades contrárias que querem servir-se dele não conseguem
fazê-lo, porque ele está comprometido, reservado, ocupado, e
mantém a sua pureza. Enquanto o homem não trabalhar para cumprir
a vontade de Deus, todas as outras vontades, visíveis e invisíveis,
dos elementais, das larvas ou mesmo dos humanos, tentam
infiltrar-se para poderem servir-se dele; e, no meio de todas essas
vontades contrárias – o vizinho, o primo, a tia, a mulher, etc… –,
ele fica completamente desorientado e as impurezas penetram nele.
Sim, um ser que não cumpre a vontade de Deus não pode ser puro
nem santo. Eis uma revelação formidável para aqueles que forem
capazes de compreender!…
Portanto, a partir de agora, sabeis que deveis trabalhar para realizar
a vontade de Deus, a fim de preservardes a vossa pureza, a
vossa força, a vossa liberdade, porque, se não estiverdes ocupados a
trabalhar para o Senhor, podeis estar certos de que outros seres vos
darão que fazer, e depois ficareis ao serviço de todas as vontades
mais incríveis, mais interesseiras e mais anárquicas que existem.
Enquanto os humanos não compreenderem isto, enquanto eles não
forem servidores de Deus, o seu hotel, a sua casa, a sua loja, isto é,
todo o seu ser estará aberto a todos os ventos, a todos os visitantes,
a todos os indesejáveis, e eles nunca conseguirão purificar-se.
Como vedes, a pureza, a verdadeira pureza, a santidade, não
está onde normalmente a procurais. Ela está lá muito alto, ela deve
vir do alto. O rio desce da montanha, e, se captais a água na sua
nascente, ela é pura, mas, se a recolherdes demasiado em baixo, ela
será sempre suja, poluída e até nociva. Se quereis beber água pura,
ide procurá-la no alto, muito alto, lá onde está o Senhor, e essa água
lavar-vos-á, saciar-vos-á, vivificar-vos-á, tornar-vos-á imortais.
Eis a verdadeira filosofia. Mas será que todos os que apregoam a
pureza, todos os que apregoam a santidade, compreenderam esta
relação mágica? É impossível obter a pureza em baixo. Em baixo
só se pode encontrar a limpeza e, frequentemente, a sujidade.
Se procurarmos símbolos da pureza em todos os domínios
e reinos da natureza, o que é que encontramos? Para a terra, é o
cristal, são as pedras preciosas, e sobretudo o diamante; aliás, o
diamante é a pedra mais dura que existe. No domínio vegetal, o
símbolo da pureza é o lótus, que nasce na água e cujas pétalas têm
uma limpidez extraordinária. Questionareis vós: «E o lírio?… E a
rosa?…» Sim, o lírio também; mas a rosa é outra coisa, ela é mais
o símbolo do amor divino. Entre as aves, o símbolo da pureza é a
pomba, e foi por isso que se representou o Espírito Santo na forma
de uma pomba; mas há também o cordeiro, com a sua lã branca,
a sua doçura, a sua inocência, a sua humildade. No plano astral,
são os anjos, os “devas’, como também são chamados. E, subindo
progressivamente nos diferentes reinos da natureza, encontrareis
outros símbolos da pureza, até chegardes a Deus, que é a pureza
absoluta, a santidade absoluta.
Então, a partir de agora, refleti, meditai sobre esta extraordinária
ideia de que o homem, o discípulo, deve desejar sempre cumprir
a vontade de Deus para se preservar, se purificar e se santificar.
Senão, quer ele queira, quer não, será sempre impelido a cumprir
outras vontades, e essas outras vontades não serão lá muito desinteressadas,
nem puras, nem luminosas. Nunca devemos inferiorizar-
nos para cumprir a vontade dos humanos, como fazem muitas
pessoas que aceitam obedecer às ordens de outras que são desonestas
ou criminosas. É evidente que, se as vontades, os projetos e as
tendências de certos homens corresponderem à vontade de Deus,
quer dizer, se eles quiserem contribuir para a felicidade da humanidade,
trabalhar para a abundância, a saúde, a beleza e a liberdade do
mundo inteiro, então há que obedecer-lhes! Mas, se os seus objetivos
forem pessoais e mesquinhos, é melhor não os seguir.
Vou dar agora um exemplo para vos mostrar que os humanos
não sabem ler o livro da natureza viva. Quando deixais algumas
migalhas de comida no vosso quarto, ou no exterior, por que é que,
pouco depois, vêm regalar-se com elas insetos de toda a espécie:
formigas, vespas, etc.? Porque a sujidade atrai esses animalejos.
Mas limpai tudo e eles desaparecerão! Deveis saber, igualmente,
que, se mantiverdes certas impurezas nos vossos sentimentos ou
nos vossos pensamentos, estas também atrairão indesejáveis que
gostam de se alimentar com elas, e depois já não conseguireis
livrar-vos deles. Notai: mesmo que tenteis matar os insetos, ou
afastá-los, nada feito; enquanto continuardes a deixar lixo, continuareis
a ter animalejos, porque estão sempre a chegar outros.
Para vos verdes livres deles, tereis de eliminar as sujidades, e eles
irão procurar o seu alimento noutro lado. E no plano astral, no
plano mental, onde também existem pensamentos e sentimentos
que fermentam, que apodrecem, aplica-se a mesma lei. Portanto,
há que acabar com essas impurezas, e os indesejáveis ir-se-ão
embora.
Enquanto não compreendermos corretamente a pureza, quer
dizer, se não a estudarmos em todas as regiões, não poderemos
tornar-nos puros. Vós direis: «Sim, mas olhe para aquela jovem,
ou para aquela criança… Elas são puras.» Só Deus sabe se elas são
puras… e por quanto tempo! Se uma jovem for ignorante, perderá
muito depressa a sua pureza, porque é uma pureza acidental e,
devido à sua ignorância, ela não saberá mantê-la. Por isso, deve-
-se instruir os jovens no sentido de saberem finalmente o que é a
pureza. Vós direis: «Sim, mas a questão ainda não está clara, ainda
não nos deu uma definição.» Eu dar-vos-ei algumas definições, não
vos inquieteis; por enquanto, estou a preparar o terreno.
Suponde agora que fostes a um lugar onde estavam reunidas
pessoas que tinham conversas e atitudes grosseiras; ao regressardes
a casa, tendes a impressão de estar sujos e sentis necessidade
de tomar um banho. Depois de o terdes feito, ficais libertos dessas
impressões desagradáveis e sentis-vos novamente mais leves. Já
procurastes estudar isto? São essas sensações, precisamente, que
deveis estudar. Por vezes, tendes a sensação de estar mergulhados
num esgoto e sentis-vos pegajosos como se alguma coisa estivesse
colada a vós… No entanto, tudo está limpo, mas vós não vos sentis
bem e tendes necessidade de vos lavar. Ou então é o contrário: sem
saberdes porquê, sentis uma impressão de pureza, de leveza… Mas
já vos detivestes para analisar esses estados? Ora, é deste modo
que Deus nos instrui, pois as sensações interiores são informações
exatas, precisas, matemáticas.
Vós direis: «Mas as sensações não são exatas, não são objetivas,
não se pode confiar nelas! O que se pode ver, o que se pode pesar,
medir, o que tem sempre as mesmas formas, as mesmas dimensões,
sim, é seguro, mas a vida psíquica, a vida afetiva, subjetiva,
não é algo sério…». Estais enganados, pois nesse domínio também
existem determinados fatores, medidas absolutas, nas quais se pode
confiar. Os humanos rejeitaram tudo o que diz respeito à vida subjetiva.
Dada a natureza dos fenómenos psíquicos, a sua rapidez e
a sua subtileza, e como ainda não encontraram aparelhos suscetíveis
de captar o que se passa nas regiões do sentimento e do pensamento,
os humanos deixaram esse domínio importante para os
esoteristas, para os médiuns, para os Iniciados, e é pena. Mas, mais
tarde, eles debruçar-se-ão sobre esses fenómenos e encontrarão a
mesma exatidão, a mesma precisão matemática que existe no plano
físico.
O essencial é a vida. Portanto, contar somente com o que está
morto, rígido, cristalizado – com o pretexto de que isso é mais fácil
de estudar – e abandonar o que é vivo, não é uma atitude inteligente.
Sobretudo porque, na realidade, é a vida que obedece às
leis mais precisas… Simplesmente, é necessário sabermos em que
aspeto deter-nos para a estudar. Por vezes, no Rochedo, ao nascer
do sol, vós sentis-vos calmos, límpidos, leves…, Sim, é uma sensação
feérica, etérica. Pois bem, analisai essa sensação, pois ela é
uma realidade, e mesmo uma realidade mais real do que tudo o que
é físico e material. E, quando vos sentis mergulhados num esgoto,
por causa de uma leitura, de uma conversa ou de olhares impuros,
analisai igualmente essa sensação de impureza… Vereis que
no mundo subjetivo, invisível, também existem medidas absolutas.
E agora direis: «Mas como podemos saber o que é puro e o que
é impuro?» É muito fácil. Um dia, uma pessoa dizia-me que nunca
se pode saber o que é bom ou mau, o que é justo ou injusto… Eu respondi-
lhe: «Ah, não sabe? Pois bem, repare: quer dar uma bofetada
a alguém, uma bofetada a valer? Então, dê primeiro essa bofetada a
si mesmo. Verá certamente que não é bom para si. Portanto, é simples:
também não é bom para os outros.» Como é que se descobre,
quando se recebe a bofetada, que não é bom? Meu Deus, quanta
luz, quanta sabedoria, quanta inteligência de repente!
Quando se é afetado, sabe-se sempre o que é bom e o que é mau.
Ofendei uma pessoa, insultai-a, roubai-a, dai-lhe algumas bofetadas,
e vereis como, nesse momento, ela vos mostrará que conhece
todas as leis, todos os códigos, toda a jurisprudência. Mas essa
mesma pessoa, quando faz alguma coisa aos outros – é curioso! –
não sabe se é bom ou se é mau. Quando caluniou, quando desonrou
alguém, quando duvidou, suspeitou, criticou, separou, quando
impediu alguém de avançar no caminho da luz, ela não sabia se isso
era bom ou mau. No entanto, poderia facilmente sabê-lo: só tinha
de se pôr no lugar dessa pessoa. Jesus resumiu esta grande verdade
ao dizer: «Não faças aos outros o que não queres que te façam a
ti.» Todas as leis da moral estão contidas nesta frase.3
Mas voltemos à pureza. Quando todos aqueles escribas e fariseus
levaram a Jesus a mulher adúltera que queriam apedrejar,
como estava prescrito na lei de Moisés, o que é que Jesus fez?
Baixou-se e começou a escrever no solo (não foi revelado até agora
que os símbolos que ele traçou eram símbolos cabalísticos); depois,
Jesus disse: «Aquele de vós que estiver sem pecado atire a primeira
pedra!» Portanto, só aqueles que eram puros podiam pronunciar-se
ou criticar. E, como todos eles se lembraram de que tinham estado
mais ou menos metidos em questões obscuras, tiveram medo. Sim,
porque eles conheciam o significado dos símbolos que Jesus tinha
traçado (esses símbolos diziam que o castigo recairia em seguida
sobre eles, se não fossem puros). Então, eles foram abandonando
o local e deixaram Jesus com a mulher. E Jesus disse-lhe: «Então,
onde é que eles estão? Ninguém te condenou? – Ninguém, Senhor. –
Pois bem, eu também não te condeno. Vai e não voltes a pecar.»
Todos conhecem esta história, mas ela não foi compreendida. Vós
direis: «Como? Mas os padres e os pastores pregaram tanto sobre
isso!» Pois é, pregou-se muito e não se compreendeu nada.
Por que é que as pessoas não veem que são unicamente os impuros
que acusam os outros de impureza? Por que é que Jesus, que era
puro, não acusou aquela mulher? É daí que eu tiro uma conclusão
fantástica. Todos aqueles que são impuros veem a impureza em
toda a parte e criticam-na furiosamente; ao passo que os que são
puros não se ocupam das impurezas dos outros, têm mais que fazer.
Aqueles que são verdadeiramente puros jamais abriram a boca para
criticar alguém pelas suas impurezas, apesar de terem o direito de o
fazer; mas não o fazem, porque estão acima disso. Jesus tinha todo
o direito de acusar aquela mulher, mas não o fez, porque a pureza
não se ocupa da sujidade dos outros.
Aqueles que são puros só procuram purificar os outros, e aqueles
que são impuros empenham-se em sujá-los, em caluniá-los. Mas
não é nobre sujar os outros! Deixai cada um entregue à justiça de
Deus: se um homem é impuro, pois bem, o Céu tirar-lhe-á a sua
beleza, as suas qualidades, as suas capacidades; ele será privado
de todas as bênçãos; mas não cabe a vós julgá-lo. E se caluniardes
alguém que vive na pureza, por mais que façais, essa pessoa tornar-
-se-á mais pura, mais luminosa, mais poderosa, e vós é que ficareis
a remoer, dizendo: «Ah!… Não consigo fazer-lhe mal. Não consigo!
» Sim, eis a triste sorte daqueles que imaginam que são puros
e que lhes cabe julgar os outros. Se um ser é uma fonte, vós não
podeis sujá-lo; portanto, em vez de o criticar, imitai-o, tornai-vos
também uma fonte que, jorrando, se purifica continuamente.
Há muitos anos, eu compreendi imensas coisas e, por isso, não
me ocupo das impurezas dos outros. Pelo contrário, aceito-os como
são, procuro ajudá-los, dar-lhes o meu amor, a minha luz, e, se eles
não compreendem, tanto pior para eles! Se não seguem por este
caminho luminoso, mais cedo ou mais tarde estarão num tal estado
de bolor e de putrefação que toda a gente fugirá deles tapando o
nariz. As pessoas mais impuras são sempre aquelas que estão insatisfeitas
com a vida e que, em vez de trabalharem para realizar o
mais elevado dos ideais, só se ocupam do que os outros fazem,
espiam-nos, suspeitam deles e propagam dúvidas e calúnias a seu
respeito. E a impureza é precisamente isso: estar cheio de suspeitas,
de ciúmes, de inveja, de tudo o que é negativo.
Agora, para completar o que eu vos disse ontem, far-vos-ei
notar mais um fenómeno sobre o qual não vos debruçastes e que,
no entanto, pode contribuir para o vosso esclarecimento. Quando
bebeis um café, por exemplo, ou outra bebida estimulante, as forças
circulam em vós e sentis-vos mais ativos, mais bem-dispostos, e
até a vossa fé, a vossa esperança e as vossas faculdades de compreensão
aumentam. Portanto, a estimulação da vossa energia nervosa
produziu efeitos em todos os domínios. Mas eis que, noutra
ocasião, ficastes um pouco anémicos, apáticos, a vossa vitalidade
diminuiu e tudo o resto enfraqueceu também: o vosso pensamento
não está tão lúcido, a vossa vontade está menos forte e perdestes a
confiança em vós. Exteriormente, não há grandes mudanças, mas,
no interior, algo diminuiu, o que provocou um enfraquecimento em
todo o vosso ser. Depois, recuperais a força vital de uma maneira ou
de outra, voltais a ter esperança e fazeis de novo grandes projetos.
Não é de admirar, pois, que os jovens e todos os que têm uma
grande vitalidade tenham mais esperança, mais coragem, mais alegria, mais amor, ao passo que aqueles que são idosos ou estão em
pior forma se sentem mais cansados, são mais pessimistas e caminham
inclinando tristemente a cabeça para baixo. Sim, tristeza e
desolação… Portanto, quando Jesus disse: «Eu vim para que eles
tenham a vida e para que a tenham em abundância»4, ele conhecia
precisamente o papel essencial da vida. Simplesmente, é claro,
essa vida de que Jesus falava não era a vida puramente biológica, a
força vital. Essa, todos os homens a possuem já, não necessitam de
que Jesus venha transmitir-lha, tanto mais que não é ela que produz
resultados maravilhosos no plano espiritual, pois, com as forças
que se encontram no estômago, no ventre, nos pulmões, no sexo, o
homem só pensa em comer, em beber, em lutar, em ir para a cama
com as mulheres, etc.
Quando Jesus falava da vida, referia-se à vida espiritual, porque
é essa a verdadeira vida que nos dá todas as possibilidades de
desenvolvimento. No momento em que começardes a viver nessas
correntes que vêm diretamente de Deus, tornar-vos-eis nobres,
fiéis, sábios, fortes. Essa vida incitar-vos-á sempre a elevardes-vos,
a espalhar por toda a parte a luz, a esperança e o amor. A vida espiritual
é capaz de despertar no homem os melhores pensamentos e
sentimentos, e é por a terem abandonado que os humanos se tornaram
cada vez mais ambiciosos, grosseiros, sensuais, ignóbeis e
cruéis. Sim, meus caros irmãos e irmãs, vós deveis procurar, continuamente,
alcançar a vida espiritual, aproximar-vos dela, fazê-la
jorrar… Evidentemente, isso não é fácil, porque ela vem de muito
alto, e é necessária toda uma instalação, toda uma “tubagem”, para
a captardes, a fazerdes circular em vós e estardes sempre dessedentados,
irrigados, inspirados. Mas, quando começais a experimentar
esta vida, compreendeis as vantagens de a viver.
Se Jesus orava para que os seus discípulos tivessem essa vida
era, evidentemente, porque eles ainda não a tinham. É certo que
eles tinham algo que se aproximava da verdadeira espiritualidade,
mas não a quinta-essência da vida espiritual. Se Jesus lhes disse:
«Eu vou enviar-vos o Espírito», foi porque eles ainda não o tinham
recebido. Os cristãos pensam que os apóstolos estavam prontos a
receber todas as revelações. Mas não, foi graças a Jesus que eles
puderam recebê-las. Jesus intercedeu por eles e eles receberam essa
vida espiritual a que se chama a vida eterna.5 A vida eterna não é
mais do que a vida espiritual. Não se deve entender a vida eterna
como um tempo infindável; não, um só segundo, pela sua qualidade,
pode ser uma eternidade. Não é um tempo longo que faz a
vida eterna, é a qualidade da vida espiritual, da vida divina.
Mesmo sem viverem eternamente, os humanos podem viver a
vida eterna. A vida eterna nunca significou uma eternidade na terra,
como afirmava aquela seita em que todos imaginavam que nunca
morreriam. E quando eles morriam, evidentemente, era por acidente.
Portanto, morriam todos por acidente e nenhum pela vontade
de Deus. É curioso, não é?… Muitos cristãos estão cheios de ilusões,
vivem num grande engano!… E, aliás, não são os únicos. Existem
muitas outras seitas que ainda alimentam conceções erradas, mas,
um dia, tudo isso será revisto. Alguns dirão: «Mas vós também
fazeis parte deles, o vosso Ensinamento é uma seita.» Não, não! O
nosso Ensinamento é o único que não é uma seita. E um dia eu disse
mesmo uma coisa muito ousada: eu disse que, neste momento, a
Igreja Católica é uma seita, porque não aceita certas verdades universais.
Sim, apesar de a palavra católico significar universal, a
Igreja Católica é sectária. Ao passo que o nosso Ensinamento é um
Ensinamento universal e, um dia, ele é que estará propagado por
toda a parte.
Vós direis: «É claro que está a pregar para a sua capelinha.»
Pois bem, não é uma capelinha, senão eu teria sido o primeiro a
abandoná-la há muito tempo. Sim, o primeiro… E sabeis por que é
que nós não temos um templo? Porque um templo construído com
materiais humanos seria sempre pequeno, limitado. Existe já um
templo, o único templo de Deus: o universo inteiro; por isso, não é
necessário construir outro templo. Além disso, nós também somos
um pequeno templo, e é nesse templo que devemos celebrar os ofícios.
Sim, interiormente, devemos estar sempre no nosso próprio
templo. Há muitas pessoas que, quando não estão numa igreja, já
não sabem orar ao Senhor; como se o Senhor só estivesse dentro das
igrejas! Essas pessoas não sabem penetrar no seu próprio templo; no
entanto, lê-se nas Escrituras: «Vós sois um templo do Deus vivo.»6
Sim, vós sois um templo e deveis manter esse templo limpo
e puro. Mas os cristãos deixam arruinar o seu templo, deixam-
-no encher-se de lixo e, uma vez por ano, vão aos templos que os
humanos construíram. Isso é muito pouco e não é assim que eles se
transformarão. É preciso estar no seu próprio templo diariamente,
durante todo o dia e toda a noite, nunca sair, e, de vez em quando,
ir ao grande templo da natureza. Eis a filosofia do futuro, a religião
do futuro. Então, sim, haverá uma esperança de o homem mudar,
de ele se transformar, porque estará dia e noite no seu templo para
o purificar, o adornar, a fim de que o Senhor e os anjos venham
instalar-se nele. Ao passo que agora as pessoas vão uma vez por ano
acender uma vela!… Isso é ridículo e absurdo! E mesmo uma vez
por semana é muito pouco.
Quando os homens não eram tão evoluídos, fixou-se um dia da
semana para ir à igreja. Mas, na nova religião, serão sete dias na
semana. Sim, toda a semana, toda a vida… Só um dia é demasiado
fácil… Durante os outros seis dias, as pessoas fizeram as suas tramoias,
mentiram, cometeram adultérios, e depois, no sétimo dia,
vão durante alguns minutos à igreja, molham os dedos na água
benta, e pronto! Se isso fosse eficaz, daria melhores resultados. Em
todo o caso, eu não acredito. Nesse domínio, eu sou o maior descrente
e o maior incrédulo. Eu creio em coisas mais eficazes do que
isso. Vós objetareis: «Como?! É horrível o que está a dizer-nos!»
Não. Os fundadores das religiões eram grandes psicólogos e grandes
pedagogos, sabiam o que faziam; eles conheciam a natureza
humana e sabiam muito bem que, numa época em que não era possível
exigir muita coisa aos humanos, eles deviam limitar as suas
prescrições.
Mas está a chegar o momento em que as pessoas dirão: «Só um
dia para ir à igreja?… Não, eu quero estar lá dia e noite e dormirei
lá.» E que igreja é esta? A sua própria igreja, o seu próprio templo..,
porque, se pegardes no vosso colchão e fordes para uma igreja,
vereis o que acontecerá! Portanto, na nova religião, os homens
comerão, beberão, dormirão, falarão e abraçar-se-ão na sua própria
igreja, segundo as regras da santidade. Dir-me-eis: «Meu Deus,
que subversão!» Sim, e devemos alegrar-nos com isso. Muitas das
regras eram boas apenas para uma determinada época e vão ser
modificadas. Haverá uma nova filosofia, uma nova religião, que
serreligião solar. Durante séculos, ela foi deformada, mas agora, finalmente,
vai ser conhecida.
Meus caros irmãos e irmãs, a vida espiritual é tudo o que deveis
pedir, pois, quando ela vos visitar, porá a funcionar todos os aparelhos
que estão em vós; então, o vosso cérebro refletirá melhor,
o vosso coração alegrar-se-á mais, a vossa vontade ultrapassará
melhor os obstáculos, o vosso corpo físico será mais vigoroso e
podereis executar mais facilmente todos os vossos trabalhos.
Eu dizia-vos há pouco que, quando alguém perde a sua força
vital, começa a não ver, a não sentir, fica como que morto. No
entanto, os seus órgãos, as suas faculdades, continuam lá; não se lhe
tirou nada, só lhe falta a força vital. Mas eis que a força vital volta e
tudo recomeça a funcionar. Então, como é que não se compreende
que acontece o mesmo em relação à força espiritual? Existem no
homem centros, chacras, toda a espécie de instalações desconhecidas;
7 se eles não funcionam, é porque não há corrente, não há
“gasolina”, não há essa energia espiritual. No dia em que puder
manifestar-se, essa energia irá despertar todos os outros centros,
que não são apenas centros físicos, mas também centros psíquicos,
espirituais, e o homem começará a aperceber-se da existência de
outras entidades, de outras criaturas, de outros poderes, de outras
forças que circulam. E então, quanta riqueza virá das suas pesquisas,
das suas descobertas! Ela será infinita… E a origem disso é
a energia espiritual que veio para alimentar tudo, para despoletar
tudo.
Se regardes uma flor que está a morrer, ela recuperará a vitalidade.
Ou, então, se uma cenoura estiver um pouco murcha e a
colocardes em água, pouco tempo depois ela ficará de novo rija e
vigorosa. O que se passou?… O Senhor pôs uma ciência extraordinária
em todos os fenómenos minúsculos que ocorrem à nossa
volta, mas as pessoas não os observam, não refletem acerca deles
para compreender que tudo está ligado, e por isso não veem qualquer
significado no que quer que seja. Ficais admirados com o facto
de tão pequenas coisas me dizerem assim tanto? Sim, elas são as
letras do livro da natureza viva e eu estou a decifrá-las. Eu detenho-
-me em cada letra e aquilo que descubro é extraordinário.
É esta a vida nova, meus caros irmãos e irmãs. E esta vida nova
a que eu me refiro é precisamente a vida espiritual de que Jesus
falava. É só nessa vida espiritual que se encontra a pureza. Todos
os Iniciados que conseguiram ligar-se à Fonte divina conhecem a
pureza; todos os dias eles vivenciam essa pureza, em primeiro lugar
como uma sensação de leveza, de limpidez, de frescura, pois essa
sensação é uma particularidade, uma propriedade da vida espiritual.
É a vida espiritual que nos dá, dia e noite, a sensação de estarmos
limpos, lavados, purificados e santificados.
Ficai bem cientes de que a pureza não está onde as pessoas a
procuram. É na vida divina que se encontra a verdadeira pureza, e
– repito-vos! –, quando viverdes essa vida divina, ninguém poderá
sujar-vos. Mesmo que vos salpiquem de lama, mesmo que vos caluniem,
não poderão sujar-vos. Mas, se não viverdes a vida divina,
seja o que for que façais, sentir-vos-eis sempre impuros, sempre
sujos por algo pegajoso de que não conseguis desembaraçar-vos.
Há pessoas que estão sempre com a sensação de que são pecadoras,
criminosas, e repetem: «Estou condenado… Estou condenado.»
Na realidade, elas não cometeram qualquer crime, mas sentem-se
impuras e julgam-se condenadas, porque a vida divina ainda não
as visitou.
Quando a vida divina tiver vindo visitar-vos, nada nem ninguém
poderá sujar-vos, porque do exterior ninguém se mancha. É
do interior que as pessoas se sujam. Era isso que Jesus queria dizer:
«Não é o que entra na boca que torna o homem impuro, mas o que
sai da boca. O que sai da boca vem do coração e é isso que torna
o homem impuro.» A impureza vem de dentro: do coração, dos
desejos, dos pensamentos; sim, a impureza vem de dentro. Como
vedes, está escrito.
Le Bonfin, 28 de agosto de 1966
Notas
1. Cf. «Notre Père», Brochure n.° 313.
2. Cf. As revelações do fogo e da água, Col. Izvor n.° 232, cap. XVIII: «A descida
do Espírito Santo».