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A FÉ QUE MOVE MONTANHAS

Autor:Aïvanhov, Omraam Mikhaël

10.00

Informação adicional

Peso210 g
ISBN

978-989-8994-11-0

Ano

2020

Edição

1

Idioma

Formato

110 x 180

Encadernação

Cartonada

N. Pág.

202

Colecção

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«A fé está associada a um trabalho de longa duração, é o resultado de esforços repetidos dia após dia; é algo vivo que nunca devemos separar da nossa vida quotidiana. É isto que temos de compreender para decifrarmos o significado das palavras de Jesus: “Se tivésseis fé do tamanho de um grão de mostarda, diríeis àquela montanha: ‘Move-te para acolá!’, e ela mover-se-ia.”
Podemos mover uma montanha, mas só se não pensarmos que podemos movê-la toda de uma vez. Pode-se mover uma montanha, mas deslocando uma pedra de cada vez! Cada pedra deslocada, quer dizer, cada sucesso que se obtém, por menor que seja, aumenta a nossa fé, pois sentimo-nos mais sólidos, mais fortes, mais senhores da situação. Olhando para trás, vemos o caminho que percorremos… e então pode acontecer que, logo a meio do trabalho que empreendemos, a nossa fé se tenha tornado tão forte que sejamos capazes de mover tudo o resto de uma só vez.»

Omraam Mikhaël Aïvanhov

IV
CIÊNCIA E RELIGIÃO

Há séculos que se assiste, no Ocidente, a lutas constantes entre a religião e a ciência. Durante muito tempo, a religião foi suficientemente poderosa para dominar; era ela que ditava a lei, a ponto de condenar certas descobertas com o pretexto de que contradiziam os textos bíblicos ou os dogmas da Igreja. E os audazes que ousassem, por exemplo, pôr em dúvida que Deus criou o mundo em seis dias ou afirmar que a Terra gira em torno do Sol, arriscavam-se a ser queimados. Depois, pouco a pouco, a situação foi-se invertendo: à medida que avançou, a ciência tornou-se preponderante e vingou-se ao ponto de ridicularizar a religião, que foi obrigada a recuar. Agora todos reconhecem que a religião perdeu a sua influência; alguns, obviamente, lamentam que isso tenha acontecido, enquanto outros se regozijam. Mas lamentar ou regozijar-se não responderá às perguntas que afligem os humanos.

Para simplificar, digamos que a ciência diz respeito ao mundo visível, e a religião ao mundo invisível; a incompreensão que existe entre os homens de ciência e os homens de fé vem do facto de uns basearem as suas certezas numa realidade visível, objetiva, e os outros numa realidade invisível, subjetiva. Mas ambos têm um ponto de vista incompleto, porque cada lado tende a dar preponderância a um aspeto em detrimento do outro.

O Universo é uma unidade que podemos captar do exterior pela ciência e do interior pela religião, porque o próprio ser humano é uma unidade que tem a capacidade de viver ao mesmo tempo no mundo objetivo e no mundo subjetivo. A ciência e a religião não devem, pois, lutar entre si, mas complementar-se. Aliás, nunca é a ciência que combate a religião ou vice-versa: os cientistas e os religiosos é que se confrontam, porque possuem apenas uma parte do saber.

Assim como a religião não conseguiu aniquilar a ciência, a ciência não foi capaz de acabar com a religião, pois baseiam-se em leis idênticas. Não há, entre elas, separação ou contradição. As separações e as contradições só existem nas mentes dos ignorantes, que não sabem como Deus criou o Universo. A ciência bem compreendida só pode ajudar os crentes a concentrarem-se no essencial, e a religião, igualmente bem compreendida, dá à ciência a sua verdadeira dimensão. Cada uma tem a sua função e devem ajudar-se mutuamente, em vez de se desprezarem, se rejeitarem e procurarem destruir-se uma à outra. De qualquer modo, não o conseguirão. Esses confrontos não passam de tentativas estéreis e perdas de tempo. Doravante, deve haver um religioso e umsábio em cada ser. Sim, para que a religião e a ciência não lutem entre si na sociedade, devem parar de se combater no ser humano. Porque é aí que ocorrem os maiores danos. Quando um homem de fé se opõe a um homem de ciência – ou vice-versa –, pensa que está a atacar um adversário exterior a si. Mas não é de todo assim, está a atacar-se a si próprio!

Os descrentes têm uma ideia errada da religião; aliás, mesmo a maioria dos crentes não tem dela uma ideia exata, pois geralmente limitam-na a um conjunto de dogmas e de ritos. Na realidade, a religião é, antes de mais, uma ciência baseada no conhecimento do ser humano tal como ele foi criado à imagem de Deus.1 Podemos dizer, portanto, que os fundamentos da religião estão inscritos no próprio ser humano. Ao criar o homem, Deus apôs nele o seu selo e, faça o que fizer, ele não pode livrar-se desse selo, é uma marca inscrita na sua estrutura. Deste ponto de vista, o ser humano não é absolutamente livre, não pode escapar a essa marca, a esse esquema a partir do qual todo o seu ser está construído. Em contrapartida, foi-lhe dada a maior liberdade para manifestar esta predestinação divina que traz em si. Assim se explica a diversidade de religiões que, consoante as épocas e os lugares, assumiram as formas mais variadas e mais ricas.

Um cientista dir-vos-á que só admite como verdadeiro e digno de interesse aquilo que pôde observar, calcular, medir, pesar, comparar, classificar; tudo o resto é duvidoso e deve ser posto de parte. Muito bem, mas isso reduz imenso o seu campo de consciência, pois cerca de dois terços da existência humana são ocupados em atividades que ninguém pesa ou mede. Sim, em dois terços do seu tempo, as pessoas simplesmente vivem. Ora, se esta vida não merece atenção nem tem interesse, porque é que um cientista continua a viver? Ele respira, come, bebe, dorme, caminha, tem pensamentos, sentimentos, sensações, desejos, conhece pessoas, conversa com elas, até as abraça, e não se questiona sobre se faz tudo isso cientificamente. Como é que ele aceita viver uma vida que, em grande parte, não é científica? Deveria recusar!

Ao valorizarem uma visão científica do mundo que põe em primeiro plano a exploração da Natureza e, portanto, o estudo do mundo físico, um mundo que é exterior a eles ou que é apenas o envelope material do seu eu profundo, os humanos dispersam-se na periferia do seu ser. Não se apercebem de que estão a perder o seu centro, esse ponto que não só os mantém em equilíbrio, mas também os liga à Fonte da vida universal. Evidentemente, não estão impedidos de considerar o Universo como um imenso campo de investigação e de experiência que o Criador pôs à sua disposição. Mas não será mergulhando “de cabeça” na física, na química, na biologia, na zoologia, na astronomia, etc., que conhecerão o sabor da vida divina. Enquanto estão tão ocupados a satisfazer todas as suas curiosidades, o tempo passa, a sua vida vai-se e eles ficam mais fracos.

Quaisquer que sejam as possibilidades oferecidas aos cientistas de explorarem a matéria, depois de um período de admiração pelas suas descobertas, começarão a sentir um vazio interior, pois nada que o intelecto possa tocar, abraçar, compreender, é capaz de nos satisfazer. Só a imensidão, o misterioso, o invisível, o intangível, tudo o que não conhecemos, pode preencher a alma humana. É nisto que reside a verdadeira ciência.

A verdadeira ciência não é produto das aquisições do intelecto, é um saber relativo ao ser humano, à sua estrutura psíquica e espiritual, aos seus corpos subtis, às suas aspirações mais elevadas, bem como às suas ligações com todo o Universo. Não temos de rejeitar os fenómenos com o pretexto de que não se enquadram na categoria daquilo que se pode observar e calcular. A vida espiritual é considerada como um fenómeno não científico. Admitamos que sim. Mas, se quiserdes ficar para sempre insatisfeitos e no vazio, basta que vos ocupeis do que é considerado “científico”.

À medida que foi progredindo, a ciência acreditou que poderia explicar tudo e trazer soluções para todos os problemas da humanidade. Com efeito, trouxe grandes melhorias em muitos campos, mas não se pode dizer que melhorou profundamente a condição humana, porque o seu campo de ação está limitado ao mundo físico e um pouco ao mundo psíquico; não age ao nível da alma e do espírito, o que é normal, pois não é o seu domínio. Graças a instrumentos extremamente aperfeiçoados, em pouco tempo ela fez descobertas incríveis tanto no domínio do infinitamente grande quanto do infinitamente pequeno, e essas descobertas deram a algumas pessoas a ilusão de que ela poderia suplantar a religião. Mas o facto de os astronautas viajarem num espaço cósmico que os humanos consideraram, durante milénios, a morada de Deus, o facto de os físicos serem capazes de desvendar os segredos da matéria, de os biólogos adquirirem cada vez mais poder sobre a vida, não é suficiente para que o homem possa acreditar que é igual a Deus, declarar que Ele não existe ou que Ele morreu, e que a Criação é apenas obra do acaso.

Esses filósofos e cientistas que pensam que o Universo e o homem são fruto do acaso, eu ponho-os no mesmo cesto que os crentes que esperam fazer uma colheita sem nada terem semeado. Sim, em ambos os casos, é o mesmo erro: no primeiro, trata-se de consequências sem causas, no segundo, de uma criação sem autor. Não faz sentido que pessoas supostamente inteligentes e instruídas trocem da ingenuidade dos crentes, pois as suas convicções são igualmente ridículas.

Assim como a religião não foi capaz de se opor ao desenvolvimento da ciência, a ciência, sejam quais forem os seus progressos, não poderá suplantar nem destruir a religião. Existe uma ligação entre estas duas atitudes e cada uma deve contribuir para valorizar e esclarecer a outra. Aqueles que tentam separá-las ou opô-las cometem um erro. O Senhor não pode ter introduzido duas realidades incompatíveis no Universo que Ele criou e no homem que Ele fez à sua imagem. Mas, para chegar a esta compreensão das coisas, é necessário fazer alguns ajustes interiores.

É frequente ouvirmos certas personalidades expressarem indignação por, no século XX, os humanos ainda não se terem livrado de crenças consideradas irracionais. E até somos forçados a constatar que, depois de um período de materialismo, de cientismo, há cada vez mais pessoas que se voltam novamente para a religião, para a espiritualidade, para o misticismo, e por vezes esta tendência assume formas bastante confusas e sem sentido. Até os líderes religiosos são sensíveis a isso, porque se sentem ultrapassados por estas novas correntes que não conseguem controlar. Pois bem, a responsabilidade por esta situação é dos próprios religiosos, que estiveram mais preocupados em ampliar o domínio da Igreja do que em satisfazer as necessidades reais das almas e dos espíritos, mas também é dos cientistas e das suas filosofias materialistas. Então, que uns e outros parem de se lamentar por uma situação que eles mesmos ajudaram a criar e, em vez disso, tentem ver como podem remediá-la em conjunto.

O ser humano só pode desabrochar e desenvolver-se na imensidão, no infinito. Mesmo que ele ache útil, interessante, indispensável, tudo o que já é visível, tudo o que já está determinado, medido, classificado, acabará por sentir que isso satisfaz apenas uma parte de si mesmo, não é suficiente para preencher a sua existência. Porque é que as crianças gostam tanto de histórias? E porque é que também os adultos, na sua maioria, se refugiam, assim que podem, em mundos estranhos, no fantástico, no irracional? Porque é uma necessidade inata do ser humano, que foi criado para viver nos dois mundos, objetivo e subjetivo, material e espiritual, visível e invisível; ele tem, pois, a capacidade de se relacionar com esses dois mundos e precisa de ambos. Mas não devemos fazer confusão: a realidade que percebemos por intermédio dos cinco sentidos não é a realidade que percebemos com os sentidos do mundo espiritual; são dois mundos diferentes, e para conhecer cada um deles são necessários instrumentos também diferentes.2

Os cientistas devem limitar-se a estudar, observar e apresentar os resultados das suas observações. Não têm de pronunciar-se sobre a vida psíquica do homem, a sua vida moral, espiritual, há uma fronteira que não podem ultrapassar com os meios de que dispõem, não lhes é permitido substituírem a religião pela ciência, e menos ainda destruírem-na. O que podem destruir são as falsas crenças, e isso é bom. A verdadeira religião não tem necessidade de se encher de erros e superstições, e a verdadeira ciência não pode prejudicar a verdadeira religião: Deus não ficará ofendido se não acreditardes que Ele criou o mundo em seis dias, pois, na realidade, Ele está continuamente a criar…

Mas querer combater a religião em nome da objetividade e da razão é um propósito votado ao fracasso. Não se pode suprimir o sentimento religioso, tal como não se pode suprimir os demais sentimentos. É mais um domínio onde a razão sozinha não tem lugar, porque, repito, na estrutura do ser humano está inscrito o sentido do sagrado, a necessidade de se sentir ligado ao mundo divino em que ele tem a sua origem. Pode tentar-se negá-lo, eliminar as suas raízes; embora momentaneamente pareça que se está a conseguir, isso não será por muito tempo e ser-se-á obrigado a constatar todos os danos que tal atitude causou, não só nos indivíduos, mas também na sociedade.

Aliás, será que essas pessoas que pugnam pela objetividade e pela razão conseguiram introduzi-las nas suas vidas? Não, debatem-se com angústias, medos, raivas, ciúmes e todo o tipo de paixões descontroladas. Onde estão, então, a objetividade e a razão?… Mas elas aceitam todos esses sentimentos inferiores, até os consideram naturais, ao passo que os sentimentos mais elevados, que podem inspirar a fé numa Entidade sublime que criou o Céu e a terra – a confiança, a gratidão, o amor, a adoração por esse Ser –, acham-nos ridículos. Tal como o intelecto, a razão é muito útil quando se trata de pôr um pouco de ordem no domínio do sentimento; digamos que ela deve fazer a limpeza, sim, mas apenas a limpeza, não esvaziar a casa. Quando limpais a vossa casa, afastais os móveis e os objetos para poderdes aspirar, limpar o pó, e depois colocai-los de volta no seu lugar, não os deitais fora. Em vós é a mesma coisa: a razão deve fazer a limpeza, não para se livrar do verdadeiro sentimento religioso, mas para que, uma vez rejeitadas as falsas crenças, ele se expresse em todo o seu esplendor.

As teorias materialistas podem seduzir as pessoas durante algum tempo, ao ponto de as separarem da imensidão, mas isto só pode ser passageiro. Quer os “grandes pensadores” gostem, quer não, o Criador construiu o ser humano de tal modo que este não pode passar sem Ele. Se ele pensa que pode, só o conseguirá durante algum tempo; depressa se sentirá mutilado e será forçado a voltar a outra compreensão do mundo e de si mesmo. Então, é inútil perder tempo a indignar-se e a irritar-se com pessoas incorrigíveis que têm necessidade de acreditar num Criador do Universo, em mundos invisíveis povoados por entidades espirituais, na vida depois da morte, no poder da oração; elas continuarão incorrigíveis, porque desse modo vivem a realidade inerente ao homem e ao Universo, e contra esta realidade ninguém pode fazer nada.

O que se sabe sobre o ser humano? Foram necessários milhares de anos para conhecer o seu corpo físico, e nem sequer é certo que se tenha descoberto tudo. Acerca do seu ser psíquico, espiritual, com exceção dos Iniciados ou dos místicos, não se sabe quase nada.3 Direis: «Mas os psicólogos, os psicanalistas e os psiquiatras têm um grande conhecimento sobre o psiquismo humano!» Sem querer pôr em causa o seu saber, faço notar que o seu trabalho consiste em cuidar de doentes. Tudo bem, mas eu coloco a questão de forma diferente: não seria melhor dar aos humanos um conhecimento que lhes permitisse superarem as suas angústias e os seus tormentos, antes de o seu estado os obrigar a consultarem um psiquiatra? Se recebessem um verdadeiro saber, não teriam de consultar ninguém.

Mas alguém se encarrega de dar aos humanos um conhecimento que lhes permita desenvolverem-se harmoniosamente, para enfrentarem as dificuldades interiores e exteriores que possam encontrar? Espera-se até eles ficarem doentes para depois se intervir. É quando já estão desorientados, prestes a suicidar-se ou depois de já o terem tentado, que os sossegam dizendo-lhes que vão ajudá-los a encontrar a paz, o equilíbrio e o sentido na vida. Entretanto, encheram-nos de medicamentos! É claro que, quando as coisas chegaram a este grau de gravidade, já não há nada a fazer. Mas até quando se vai esperar que as pessoas fiquem doentes para se cuidar delas? Direis: «Mas a ciência é isso!» Não, isso são apenas alguns fragmentos de conhecimentos. A ciência, a verdadeira ciência, é totalmente diferente.

Só haverá uma verdadeira ciência quando esta e a religião decidirem trabalhar juntas para estudarem os centros – os órgãos, os aparelhos, chamai-lhes como quiserdes – graças aos quais o homem pode relacionar-se com o mundo espiritual, o mundo divino. Como é possível imaginar que o Criador, que deu ao homem todas as ferramentas necessárias para ele viver e agir no mundo físico, o deixou sem recursos para viver e agir no mundo espiritual? Mas, para que os cientistas entrem por esta via, primeiro é preciso que o clero deixe de apresentar a religião como um conjunto de preceitos cujos fundamentos nem sequer são claramente conhecidos.

Não basta que a sumptuosidade das igrejas e das catedrais, o brilho dos ofícios religiosos, a beleza das orações e dos cânticos despertem certas emoções nas almas. Os seres humanos necessitam de algo mais preciso do que emoções e sensações, porque as emoções e as sensações são passageiras, não dão uma base sólida à sua existência. Mesmo os crentes

acabam por duvidar: não procuram ir além de noções superficiais com as quais as pessoas podiam contentar-se nos séculos passados, porque não tinham as exigências de compreensão que se tem nos dias de hoje. Então, esses “crentes”, embora continuem a acreditar que acreditam, na realidade duvidam. Para acreditarem verdadeiramente, os humanos precisam de saber, de compreender. Já passou a época em que se ensinava aos fiéis que o critério para a verdadeira fé é aceitar revelações que não se compreende. Eles já não querem ouvir falar dos “mistérios da fé” e libertar-se-ão cada vez mais dessas noções que consideram uma escravidão, um obstáculo ao seu desenvolvimento.
Os progressos que a humanidade fez no domínio do conhecimento científico levam necessariamente a uma perspetiva diferente da adotada pela religião e, por consequência, da moral. E agora há que fazer com que as pessoas compreendam que a religião, como a moral, estão baseadas em leis tão reais e verificáveis quanto as do mundo físico. Porque, assim como o Universo criado por Deus está assente em leis, o ser humano criado por Deus tem um organismo físico e um organismo psíquico igualmente regidos por leis. Todos sabeis por experiência como é fácil destruir a sua saúde. Alguns dirão: «Sim, mas a medicina progrediu tanto!» A medicina tem feito muitos progressos, é certo, mas, apesar desses avanços, se o ser humano não se instruir na ciência da vida, a medicina continuará a ser impotente. Enquanto esta estiver focada em curar certas doenças, as desordens que ele continuará a provocar no seu organismo farão surgir outras.

Se furardes uma bola de borracha, formar-se-á uma concavidade. Por mais que tenteis eliminá-la, ela formar-se-á de novo noutra zona da bola. Portanto, posso dizer-vos que, embora a medicina tenha feito imensos progressos e continue a fazer outros ainda maiores, isso não dará aos humanos a capacidade de viverem a seu belo prazer. E também nenhum psicólogo, psiquiatra ou psicanalista será capaz de repor o equilíbrio em alguém que transgride as leis do mundo moral e espiritual.
Todos os progressos científicos, seja em que domínio for, só foram possíveis porque os humanos descobriram que o mundo físico obedece a leis, a milhares de leis. Então, como é que o mundo psíquico poderia ser a maior confusão, a maior anarquia, sem leis nem regras para conhecer e respeitar?…
Não, não é possível. Se, pela sua ligeireza, pela sua inconsciência, o homem avaria esse mecanismo extraordinário que é seu organismo psíquico, provoca danos irreparáveis. Nada é estável nem fiável quando as leis não são respeitadas, porque as leis é que constituem a estrutura do universo psíquico, como a do universo físico. O maior erro é não reconhecer estas leis. Age-se como se elas fossem uma invenção humana, isto é, como se estivessem assentes em bases arbitrárias, discutíveis, e pudessem ser facilmente transgredidas. Não! E acrescento que a nossa compreensão das coisas depende da vida que levamos. O conhecimento nunca deve ser separado da maneira de viver. Só uma vida harmoniosa, de acordo com as leis cósmicas, pode fomentar o verdadeiro conhecimento.

A religião tem como fundamento as leis que regem a vida psíquica do homem; por isso, os cientistas devem reconhecer o seu território, compreendendo que existe uma ciência da vida espiritual, pois a vida espiritual está assente em leis. Convido-os todos, pois, a alargarem o seu campo de investigação. Descobrirão pouco a pouco que as suas próprias descobertas só enfatizam a veracidade do ensinamento dos Iniciados. Caso contrário, seja qual for o progresso das ciências, esses avanços deixá-los-ão sempre insatisfeitos, porque permanecem exteriores a si mesmos: dão-lhes os meios para agirem sobre a matéria, mas pode-se ter todos os meios para agir sobre a matéria e sentir-se vazio, porque as descobertas científicas e tecnológicas não alimentam a alma e o espírito.
O trabalho espiritual é um empreendimento a longo prazo4, mas quem se lança neste trabalho liga-se diariamente ao mundo dos princípios, descobre um sentido, e é esse sentido que lhe dá a fé. A fé e também a paz. Talvez tudo isto não possa ser explicado por palavras, porque é uma realidade de uma outra dimensão; mas quem faz esta experiência não pode duvidar do que sente. Uma pessoa muito modesta, muito simples, pouco instruída, pode, graças à sua busca interior, saber mais sobre a vida do que os maiores cientistas. Por isso, os cientistas deveriam manifestar um pouco mais de contenção e de modéstia. O Criador não lhes concedeu o privilégio do saber. Eles podem dominar a matéria, mas não dominam a vida, porque não se descobre a vida na ponta de alguns aparelhos, mas dentro de si mesmo.

Podeis viajar para outros planetas e ser interiormente tão terra-a-terra como se nunca tivésseis saído do vosso buraco. É uma questão de estado de consciência. De que serve descobrir o Universo se se permanecer interiormente tão limitado quanto alguém que nunca pôs o nariz fora da sua vilória? O astronauta percorre o espaço na sua nave, mas o pastor que guarda o seu rebanho na montanha e contempla o céu estrelado no silêncio da noite talvez saiba mais do que ele sobre a imensidão.
E se ripostardes: «Oh, isso não é científico!», estareis enganados. Não há nada mais científico nem mais eficaz do que aquilo que acabo de dizer-vos. Mas trata-se de uma ciência diferente, que supera todas as outras. Não acreditais em mim?… Tudo bem. Não vos peço que acrediteis em mim, mas apenas que façais experiências. Uma vez que sois pela ciência, ao menos adotai uma conduta científica, isto é, fazei primeiro experiências e pronunciai-vos depois. Um cientista não começa por ter certezas, faz experiências e espera o tempo que for necessário antes de tirar conclusões. Então, se dizeis que não acreditais em mim sem terdes feito nenhuma experiência, como devereis ser considerados?

Notas
1. Cf. «Vous êtes des dieux», Parte III : «Et Dieu créa l’homme à son image».
2. Op. cit. Parte VII: «Les organes de la pratique spirituelle».
3. Cf. «Cherchez le Royaume de Dieu et sa Justice», Parte III, cap. 1: «Le corps, instrument de l’esprit. Le tableau synoptique».
4. Op. cit. Parte VII, cap. 3: «Les lois du travail spirituel».

ÍNDICE

I A fé, a esperança e o amor …………………………..7
II A fé que move montanhas
O grão de mostarda …………………………………..21
III Fé e crença ………………………………………………27
IV Ciência e religião ……………………………………..41
V A fé precede sempre o saber ………………………59
VI Reencontrar o saber “escondido”………………..73
VII Uma religião
é apenas uma forma da lei………………………….87
VIII A nossa filiação divina…………………………….109
IX A prova da existência de Deus
está em nós ………………………………………….. 129
X A identificação com Deus ………………………. 141
XI Deus, a vida …………………………………………..151
XII Deus na Criação……………………………………..161
XIII Rabota, vrémé, véra:
o trabalho, o tempo, a fé…………………………..181