Ir para o conteúdo Ir para rodapé

III – TEORIA DO CAMPO-CAMINHO UNITÁRIO – SISTEMA SOCIAL ORGÂNICO ou a organização…

18.00

Informação adicional

Peso400 g
ISBN

978-972-98980-8-2

Ano

2015

Edição

1

Idioma

Formato

145 x 210

Encadernação

Cartonada

N. Pág.

296

Colecção

REF: 732 Categorias: , ID do produto: 23495
Partilhe:

SINOPSE

A natureza funciona em autogestão orgânica a todos os níveis.
As concepções teóricas que vêm dos séculos XVIII e XIX, mostram-se já visivelmente desadaptadas e os respectivos modelos políticos como protuberâncias parasitárias.
A actual explosão de movimentos político-sociais e associações de toda a ordem, converge no repúdio pela chamada democracia representativa. Consciente, ou ainda um pouco inconscientemente, o que as pessoas reivindicam é, afinal, a redistribuição autogestionária orgânica do poder.
Aliás, só a Autogestão Orgânica, que, pela sua própria natureza, não é susceptível de cristalizar num modelo ideológico ou num programa estabelecido de uma vez por todas, pode funcionar como um autêntico anti-sistema, e, assim, manter a espiral do desenvolvimento da sociedade livremente aberta para não entravar e até incentivar o dinamismo social, e continuar indefinidamente receptivo à inovação resultante da criatividade individual e colectiva.
O Poder Natural da criação cultural é a força determinadora que, a prazo, vai destruindo todas as formas de poder e em todos os domínios. Porque o Poder Natural prevalece sobre o poder político.
Com a implementação do Sistema Social Orgânico o poder político tenderá, por força da dinâmica autogestionária orgânica, a aproximar-se do Poder Natural. Pelo que, no limite, o Sistema Social Orgânico assumiria um carácter sofiocrático.
De qualquer modo, a Sofiocracia vai-se materializando infinitamente ao nível da História Natural da sociedade. E sempre com uma influência determinante sobre a história político-social.

Pág. 158: DA DESUMANIDADE DA SOCIEDADE DE CONSUMO

A competitividade é factor de progresso autêntico, desde que se coloque à frente da tendência à dominância socialmente dominante. De contrário, perturba o desenvolvimento harmonioso dos indivíduos e da sociedade, precisamente por se tornar um entrave ao deslocamento da tendência à dominância.
E esta é a via pela qual a sociedade se possibilita sair dos “becos” em que, pela própria estrutura do processo evolutivo natural, se deixa conjunturalmente atascar; é a via que lhe permite superar as situações de círculo vicioso como é presentemente o caso das chamadas sociedades de consumo, em que o conceito de desenvolvimento se define exclusivamente em termos de crescimento produtivo no espaço tão limitado e limitativo da economia.
Sem a progressiva transferência para estádios superiores do espaço aberto à competitividade individual, todas as potencialidades de libertação humana criadas pelo desenvolvimento
científico-técnico, acabam por servir objectivos menos elevados aproveitando principalmente à dinâmica de escravização.
Este fenómeno de arrastamento negativo por força de uma dinâmica contrária aos reais interesses das pessoas e da sociedade acaba, efectivamente, por inverter o sentido da criação cultural numa perspectiva anti-cultural, e virar contra o homem as conquistas da ciência que poderiam e deveriam servi-lo. E se é isto que sempre tem acontecido, as consequências também não têm cessado de agravar-se e de ser progressivamente mais nefastas, dado o contínuo alargamento do fosso cavado entre os meios e os fins que, na presente conjuntura, se tornou qualitativamente mais perigoso porque se desenvolveram extraordinariamente as potencialidades científico-técnicas, continuando quase imutável o espaço de concorrência em algumas sociedades e o conceito de dominante de desenvolvimento em todas, e ainda mais perigoso pelas acrescidas capacidades militares ao serviço
do statu quo a leste como a oeste.
Nas sociedades de consumo em particular, é este desfasamento gritante entre as potencialidades culturais e científico-técnicas e a objectivação da felicidade humana exclusivamente no consumo de “bens materiais”, o responsável pela situação limite de degradação da pessoa humana e de apodrecimento da sociedade a que se chegou. Porque, em tais circunstâncias, o próprio desenvolvimento científico-técnico acaba necessariamente por reforçar ainda mais as posições ideológicas do consumismo e acelerar a dinâmica de círculo vicioso em que ele se move. E as consequências deste autêntico afunilamento ideológico, assim investido num sentido que, no limite, é já somente o do trabalho pelo trabalho, da produção pela produção, do consumo pelo consumo, não se fazem esperar. E aí estão a atestá-lo a explosão de irracionalidade, a inversão de valores, a falta de projectos fora do quadro consumista e a que correspondem já sintomas indisfarçáveis de desespero individual e colectivo; o culto degradante do absurdo, do niilismo, do sem-sentido, que já ocupam nas artes e nas letras, etc., o espaço que deveria ser o da cultura. Uma sociedade moribunda, porque o combate à cultura redunda sempre e necessariamente na morte da civilização
que dela se alimenta; uma sociedade animada do desejo irreprimível de morrer. Porque dá mais gozo morrer. Porque o caminho anti-cultural, o culto da morte e da destruição, é sempre mais fácil (é, digamos, a descer), que a via do sofrimento, da construção e da criatividade autêntica, a via da vida que a cultura no seu esforço de ascensão às “fontes da luz” representa.
Aliás, à fase de autêntica criação cultural sucede-se inevitavelmente a fase da decadência, de destruição anti-cultural.
Na verdade, é com esta pulsão irreprimível de autodestruição que o quadro da sociedade de consumo (independentemente do nível quantitativo de consumo, pois se trata mais de um estado de desestruturação social que até foi bem evidente, por exemplo, também no Império romano) se completa. E esta pulsão de autodestruição está implícita também no abulicismo por desinteresse ou desespero, e de uma forma mais claramente patente, e até com aspectos específicos de militância,
no fenómeno de recusa absoluta e em bloco, de rejeição radical da sociedade que existe ou venha a existir, afinal, da chamada Recusa (por si mesma, sem objectivos construtivos, sem alternativas) do Sistema em cujas malhas tantos jovens caem vítimas do confusionismo reinante. Confusionismo que é medida da própria alienação e da incapacidade de vislumbrar uma saída válida, uma alternativa credível, e, enredando tudo – os meios e os fins – numa meada pretensamente inextricável, acaba
por servir maravilhosamente um sistema que se autopromove como capaz de digerir tudo e todos.
E, efectivamente, quanto mais se desenvolve o conhecimento científico e se aperfeiçoam as potencialidades técnicas, inclusivé, de condicionamento, maior é o desfasamento entre os meios à disposição da sociedade e os fins que persegue, e o estádio da tendência à dominância socialmente dominante, donde, mais se acresce a capacidade alienatória do sistema sobre as populações e em igual proporção diminuindo relativamente a possibilidade de estas se consciencializarem. Eterniza-se, então, o sistema? Não, obviamente. Porque o desfasamento entre os meios e os fins, entre o nível das potencialidades científico-técnicas e o estádio da tendência à dominância socialmente
dominante, tem limites. Limites que não podemos pré-determinar em termos quantitativos rigorosos, mas limites apesar de tudo. Até porque o processo evolutivo só depende da nossa vontade em termos muito relativos (acrescendo-se, no entanto, com a complexificação do Ser), isto é, nos limites impostos pelo seu carácter de necessidade natural. E já não estamos no espaço da simples condenação moral da sociedade chamada de consumo, ou melhor, dos seus aspectos imorais, porque o retardamento no processo de deslocamento da tendência à dominância socialmente dominante conduz a sociedade para uma situação de incapacidade para acompanhar o próprio desenvolvimento científico potencial, para uma situação de bloqueamento ao progresso, de inapetência por desqualificação.
Enfim, a sociedade vai-se revelando cada vez mais incapaz de realizar a própria inversão anti-cultural, e acaba mesmo por se tornar totalmente incapaz de descobrir utilidade às novas
conquistas da ciência. Depois, quase se bloqueia a própria possibilidade de sublimação cultural e há lugar a uma regressãogeneralizada. E é este o perigo que espreita particularmente as sociedades capitalistas ocidentais. Uma situação paralela, aliás, à que se criou nas sociedades esclavagistas clássicas, por exemplo.
Tal como nessa altura muitas invenções tecnológicas não eram aplicadas na esfera produtiva, também hoje se pode criar uma situação similar se o desfasamento entre o potencial científico
colocado à disposição da sociedade e a incapacidade desta o utilizar se alargar demasiado. Também continuamos, hoje, a sacrificar inúmeros mártires da criatividade. E é claro que nos
regimes de carácter sistémico, a resistência à inovação científica e técnica (se bem que isso se não verifique actualmente no domínio das aplicações militares pelas razões conjunturais específicas de todos conhecidas) ainda tende a ser mais bloqueante que nos regimes de carácter individualista, só que aí por causas praticamente inversas às que se vêm descrevendo: – enquanto nestes regimes a resistência ao progresso científico-técnico tende a ser comandada ao nível do próprio poder; nos
regimes de carácter individualista essa resistência reflecte mais fielmente uma situação de incapacidade do “cardume” social, uma posição de bloqueamento ao nível da própria tendência
à dominância socialmente dominante, razão por que o citei como o perigo que espreita particularmente as sociedades capitalistas.
Aquelas, aliás, que precisamente se deixaram atascar no pântano do consumismo, e pear pela respectiva ideologia bem sintetizada no aforismo da «produção pela produção».
Com efeito, nestas sociedades em que todas as potencialidades humanas tendem a ser investidas através de um processo de afunilamento conducente à esfera produtiva, alçada ideologicamente
à posição de fonte de toda a felicidade humana – o consumo de bens materiais – também se corre o risco aparentemente impossível de incapacidade da própria esfera produtiva utilizar continuamente as novas possibilidades científico-técnicas que vão surgindo. Aparentemente, alçada ideologicamente a produção à posição de supremo bem, a esfera produtiva estará nestas sociedades sempre receptiva a uma imediata utilização de tudo quanto contribua para o aumento
da produtividade, e para o crescimento quantitativo e qualitativo dos bens de consumo. Ora, para além das crises e de todos os problemas específicos do domínio da economia, para além do seu aparente dinamismo, ou do seu falso dinamismo, as sociedade de consumo também se fecham sobre si próprias quando se trata de enfrentar transformações de nível estrutural. E é a partir daí que logo começam a manifestar-se os sintomas de autodestruição. Uns, a maioria, deixam de acompanhar o processo de transformação da sociedade conservando-se presos ao estádio de competitividade tradicional, impedindo o deslocamento da tendência à dominância socialmente dominante; outros, os potencialmente mais capazes, dificilmente suportam o statu quo numa sociedade carente de valores, sem nenhuns incentivos morais e até eticamente reprovável, e ainda incapaz de lhes aproveitar as qualidades, tendem a auto-marginalizar-se quando não a perder-
-se pelos descaminhos da autodestruição da pessoa humana como é o caso de muitos drogados, etc.. E, assim, entre os situacionistas, os desesperados, os niilistas, os revoltados e enraivecidos e os pseudo-revolucionários salvadores, e com a revolta contra uma ciência responsável por tantos males a avolumar-se mas sem que a sociedade aceite uma verdadeira revolução científica e cultural, os homens de cultura autênticos já não são aproveitados e começam mesmo a ver-se cercados como nunca, e talvez venham a tornar-se os “judeus” de amanhã se as “massas” descobrirem na inteligência o “bode expiatório” para as suas mazelas e desventuras.
Nas presentes circunstâncias, pensando prioritariamente nesta dificílima situação de autêntico afogamento em que a Europa se tem encontrado, as sociedades ocidentais ou superam o binómio capitalismo-socialismo ou podem descambar na horizontal para o socialismo. Tal como o Império Romano na fase de desestruturação da sociedade esclavagista, ou evoluía para o capitalismo ou descambava na horizontal para o feudalismo, também, hoje, as sociedades capitalistas ou são
capazes de operar uma revolução cultural, incluindo os domínios científico-técnico-político, e transcender a dicotomia capitalismo-socialismo ou, então, poderão descambar para o socialismo com todas as respectivas consequências que advêm de um regime de carácter sistémico alçado a uma posição de dominância incontestável que é aquela em que os regimes mostram a sua verdadeira face. E essas consequências são as já reflectidas por autênticos paradigmas como o Antigo Egipto, o chamado Modo de Produção Asiático, a Idade Média, etc., quanto às suas características genéricas de sociedades “fundamentalistas” «onde parece nada acontecer», de «regimes de mil anos», etc.. Com o capitalismo em desestruturação, a sua defesa já representa objectivamente uma inflexão a prazo para o socialismo. E é isto que está acontecendo na Europa Ocidental, pelo menos de uma forma mais evidente. Ora, é possível superar o socialismo, desde que estejamos na disposição de nos libertarmos também do capitalismo; e é preciso superar o capitalismo para se não cair no socialismo, isto é, para salvar o núcleo do património cultural europeu – a essência desta democracia.
E o Sistema Social Orgânico não implica subjugação das sociedades ocidentais aos ditames sistémicos orientalizantes, pelo menos para além de algumas influências de carácter sistémico que ele próprio também reflecte no seu processo de harmonização e superação da contradição entre as características individualistas e sistémicas.
De qualquer modo, nenhum sistema é eterno. Tampouco o capitalismo. Claro que já muitos profetizaram a queda (isso de quedas é mais próprio de regimes sistémicos, pois os individualistas
tendem a ir evoluindo reformisticamente…) do capitalismo para o dia seguinte, e ele não caiu. Mas também não permaneceu imóvel. Aliás, imobilista é que, pela sua própria natureza reformista, um sistema de características individualistas não é. E o capitalismo, hoje, também já está muito longe
daquele capitalismo histórico, e já histórico. E mesmo nas sociedades predominantemente capitalistas e em que a herança histórica do capitalismo é mais forte, e para além das forças sociais que de uma forma mais ou menos radical e consciente sempre se dispuseram numa posição de combate ao sistema capitalista, mesmo nessas sociedades e talvez ainda mais aí, amplos sectores profissionais de algum modo ligados ao desenvolvimento científico e técnico – o trabalhador dito com
conhecimento – são portadores de um projecto pós-capitalista, um projecto ainda liberal e de características individualistas mas já não capitalista. Aliás, o liberalismo, pelo menos em sentido muito genérico e liberto das conotações conjunturais que adquiriu no contexto ideológico burguês, não se reduz ao capitalismo.
As sociedades esclavagistas clássicas já podem considerar-se liberais, na medida em que privilegiam a livre iniciativa dos cidadãos. E a Atenas Clássica é um autêntico paradigma de sociedade estruturada em princípios de organização social, económica e política liberais. Claro que a ignorância, do ponto de vista dos escravos dá um tom sinistro à análise, mas a sua
consideração também representaria um exemplo de anacronismo histórico. E se há cinismo não é na análise, antes na lógica profunda do sistema. De qualquer modo, quanto aos seus princípios
de organização, a sociedade poder ter de ser considerada liberal ainda que noventa por cento da população seja constituída por escravos, isto é, ainda que esse liberalismo tenha de assentar numa distinção política, económica e socialmente engendrada e arbitrariamente estabelecida à margem das evidências de ordem natural, e até contranatura entre o homem que todos terão de respeitar como cidadão e o homem que se decreta ser uma mercadoria. No entanto, há uma diferença
profunda entre esclavagismo e capitalismo, uma vez que numa sociedade capitalista o indivíduo que vende força de trabalho celebra um contrato com o empregador, enquanto numa sociedade
esclavagista o escravo não é parte contratante activa se bem que o homem em si, e a natureza em geral, nunca seja susceptível de apropriação absoluta.
Também, hoje, a chamada Nova Direita é, no essencial, portadora de um projecto de características ainda individualistas e liberais mas já muito diferenciado do capitalismo histórico, um projecto que talvez se possa considerar já pós-capitalista. Dir-se-á que esse projecto somente representa uma tentativa de fuga do capitalismo prá frente, um projecto que nem sequer se propõe minimizar as injustiças mais gritantes do sistema capitalista, do seu carácter darwinista. De acordo, desde que
convenhamos que o capitalismo e o socialismo também representaram essencialmente a fuga do esclavagismo e do feudalismo prá frente. E se é verdade e, aliás, evidente, que há um combate
político a travar com essa Nova Direita por ela veicular uma ideologia tecnocrática, simplista e redutora do homem, etc., também é bem claro que a chamada Esquerda Tradicional está bastante desarmada para se bater nesta lide, até porque o seu combate já se tornou um combate quixotesco. De qualquer modo, como tudo na natureza, o capitalismo passa (ou melhor, vai passando, dadas as suas características); como também o socialismo cairá, obviamente.
Mas o capitalismo passa porque, em última análise, as próprias condições objectivas em que se engendrou e lhe proporcionaram o desenvolvimento histórico se transformam também, se não são já passadas. Todos os estádios de complexidade da natureza se engendram a partir de um núcleo ou
projecto teleonómico, se desenvolvem até ao limite possível de acordo com as suas potencialidades estruturais e com o meio e (ou) os circunstancialismos históricos, e acabam por regredir transmutando-se. E na sequência de uma fase de regressão e apodrecimento de estruturas desenvolve-se um novo projecto.
É assim que, no nosso tempo (se bem que em virtude do carácter ondulatório também do movimento histórico, vá alternando a predominância de cada sistema sobre o seu contrário), as
sociedades capitalistas oscilam entre um deslizamento para as posições socialistas ainda em fase de expansão, e um projecto alternativo válido, mais complexo e em estruturação. Ou descambam
horizontalmente para o socialismo ou evoluem para além do capitalismo e do socialismo, porque a defesa intransigente de um statu quo para lá da sua época só consegue representar um espaço de teatralização para um epílogo inevitável, ou um paliativo para aguentar artificialmente uma agonia de
que se conhece antecipadamente o desfecho numa sociedade que, criadas objectivamente as condições para a passagem do testemunho, prefere dobrar-se sobre si própria e dar o grande
espectáculo da autodestruição – à Império Romano. E o poderio militar, só por si, não evita as verdadeiras derrotas, que são as que advêm da dinâmica autodestrutiva própria por incapacidade
de romper com uma realidade económica, política e social, insustentável e passadista e de conceber as alternativas possíveis.
Mas uma situação de bloqueamento nunca é total e absoluta. Pode obnibular-se a via da complexificação, do acréscimo de liberdade, do verdadeiro desenvolvimento; mas, então, abre-se
no mesmo momento a via inversa, o caminho “fácil” da cristalização anti-cultural, a fase de apodrecimento ou a «nigredo» dos Alquimistas, e o instinto de autodestruição ou pulsão da morte desempenha, agora, um papel predominante. É a natural alternância quanto ao carácter condicionante ou determinante entre os termos de todas as contradições, o que, de momento,
está em fase de contracção e o que, inversamente, está em fase de expansão. No entanto, o carácter necessário das leis da natureza nunca erradica o espaço de liberdade que, aliás, tende a
alargar-se paralelamente à complexificação. Liberdade que não se afirma numa possibilidade de bloqueamento do processo histórico, por exemplo, mas que já se materializa na capacidade
de opção por um ou o outro sentido do seu movimento que se pretenda determinante. Porque o homem não pode impedir a realidade do movimento histórico, mas pode usar da sua liberdade relativa ao nível da cada situação de opção que se lhe depare. E usa efectivamente a sua capacidade de ser livre ainda que frequentemente pareça fazê-lo, digamos, por omissão.
O movimento histórico é imparável e não é com posições pró ou contra esta realidade que a nossa liberdade se afirma.
O livre arbítrio humano afirma-se sim pela opção a cada momento entre um ou o outro dos sentidos possíveis, pressupostas as potencialmente infinitas orientações direccionais que qualquer
um de ambos sentidos admite. Assim, não há posições neutras, elas representam sempre e necessariamente o resultado de uma opção. Também as pretensões bloqueantes, como as da chamada Recusa (niilista) do Sistema tão em voga nas sociedades capitalistas ocidentais e bem elucidativas do seu estado de saúde político-social, acabam por significar, ainda que involuntariamente, uma verdadeira escolha da própria realidade que se queria recusar.
Tomemos por exemplo a ciência e a pressão a que, pelo menos aparentemente, vai estando crescentemente sujeita. Ora, não há actualmente nenhuma alternativa ao desenvolvimento
científico-técnico que não passe por uma redução da população aos níveis de há séculos atrás. Mas isso não significa que toda a ciência seja razoável e muito menos aquilo que nos pretendem
impingir como a única ciência possível. Assim, a alternativa não é à ciência em si, não é proibir o desenvolvimento científico a pretexto da sua periculosidade como o fazem pessoas suficientemente conceituadas para disporem de espaço nos órgãos de comunicação social, a opção situa-se ao nível das suas orientações e aplicações possíveis. Portanto, tenhamos a coragem de lutar por uma ciência inimaginável que ainda seja, exijamo-lhe que persiga objectivos por mais impossíveis que
nos pareçam, lutemos com todas as nossas forças contra as aplicações malsãs das conquistas científicas, exijamos participar activamente nas tomadas de decisão sobre a sua utilização, etc.,
etc.; mas condenar a ciência tout court, em bloco, isso não, ou, então, que se seja coerente optando pelo regresso ás cavernas.
Lutemos por uma ciência-técnica mais complexa e que supere as deficiências e insuficiências da actual, que em vez de dissipar os elementos os reconstrua, que em vez de poluir ajude ao próprio equilíbrio da natureza, etc.. Mas limitar-se a condenar não é sequer próprio de gente séria e deixa dúvidas até acerca da própria sanidade mental. Ou, então, recusem também os usufrutos da civilização. Porque é demasiado fácil condenar a ciência em absoluto, enquanto se beneficia dela a todo o momento já que ela se tornou parte integrante das nossas vidas.
E depois, relativamente à ciência ou ao quer que seja, o tipo de recusa bloqueante continua sempre a ser recuperado pelo statu quo, a ser digerido pelo sistema como se costuma dizer,
precisamente porque não vai a lado nenhum… Porque o “revolucionário” niilista, o praticante da revolução pela revolução, se bloqueia a si próprio e acaba por não ser mais nada que uma espécie de reaccionário da revolução, de escravo da ideia de revolução, que nunca implementará mudança absolutamente nenhuma dado se esgotar no seu próprio niilismo sistemático.
Mas atenção, a atitude de recusa nem sempre assume um cariz bloqueante. A atitude de recusa ante o statu quo pode não ser gratuita, e, sobretudo tratando-se da juventude, pode mesmo significar e representar um espírito de dádiva e uma disponibilidade total a novos ideais que venham a apresentar-se como alternativa válida, num momento em que ainda se não sabe bem o que se quer mas já não restam dúvidas acerca do que se não quer. Então, esse momento de recusa pode muito bem constituir a antecâmara de uma revolução cultural, em cujas circunvoluções venha claramente a definir-se o que realmente queremos mas que ainda não havia sido possível descobrir
que queríamos. E é este espírito de abertura a uma nova revolução cultural e até já de exigência de uma ruptura de carácter civilizacional, nomeadamente ao nível da juventude dos nossos dias, que as sociedades ocidentais parecem não saber e não querer aproveitar, e até reprimem. É efectivamente esta atitude, este espírito, esta disponibilidade, que de uma forma mais ou menos esclarecida e consciente reflectem alguns movimentos juvenis, e não só, e que sobressai como característica
fundamental e unificadora, apesar da diversidade das causas próximas, dos lugares, dos antagonismos aparentes devidos a um certo folclore confusionista, etc., por exemplo, na revolta
marcusiana dos anos sessenta ou nos movimentos ecologistas destes anos oitenta. Há, indubitavelmente, uma poderosa revolução cultural em marcha sobretudo no Ocidente, uma
revolução cultural que a minha geração iniciou na década de sessenta e elevou até onde as limitações da adolescência lho permitiam, mas uma revolução cultural que é imparável
e que, hoje, tentamos fazer chegar à ciência, à técnica, e à política a sério, uma revolução cultural que questiona a sociedade a todos os níveis, que envolve uma autêntica ruptura civilizacional. Porque uma geração que aos 15-20 anos se afirma com tal pujança revolucionária, nunca poderia ser uma «geração perdida» como alguns têm pretendido fazer crer.
Simplesmente, uma revolução cultural-civilizacional global passa por estádios de sedimentação. E a nossa “música”, agora, é a ciência, a técnica, a política a sério… Porque uma geração que traz uma revolução cultural de tal amplitude na “massa do sangue” nunca poderia volatilizar-se. Simplesmente, vai avançando por estádios e por níveis: – os estádios naturais de uma revolução cultural-civilizacional e da própria evolução etária dos seus agentes, e os níveis em que a própria realidade social a transformar se estratifica. É verdade que a juventude chega a parecer até refractária à própria cultura, mas, na realidade, é somente à cultura dominante que tende a fazer-se passar por a única cultura possível ou A Cultura, a apresentar-se como A Cultura que ocupa todo o espaço cultural possível. E um desses níveis a que existe a sociedade e que uma revolução cultural
necessariamente questiona é, obviamente, o problema político, um problema que não se resolve, hoje, com simples deslocamentos horizontais entre capitalismo e socialismo redundem ou não eles em convergências do tipo da social-democracia.
De facto, não resolvemos o problema da contradição entre o capitalismo e o socialismo na base de uma simples aproximação na horizontal, de um mero processo de amortecimento dos conflitos, etc., tipicamente social-democrata. Aliás, os problemas nunca se resolvem. Vão é perdendo o seu lugar na História.
Afinal, resolvem-se pela sua superação. E, efectivamente, também este é um problema que somente podemos resolver superando-o, isto é, numa perspectiva dinâmica de evolução para um sistema social que já não seja nem capitalista nem socialista. Porque não basta suavizar o capitalismo com influências socializantes, nem o inverso. É absolutamente necessário deslocar as estruturas económicas, políticas, sociais, para lá do capitalismo e do socialismo. Por isso, o Sistema Social Orgânico não se reduz a um simples processo de convergência do tipo social-democrata. Antes se pretende um outro sistema social numa sociedade já pós-industrial mecânica em
que a Ciência Orgânica e a Tecnorgânica serão fundamentais.
Enfim, o Sistema Social Orgânico implica uma ruptura no plano científico-técnico, e inscreve-se no quadro de uma revolução cultural exigente da implementação de uma civilização orgânica. E a social-democracia representa somente a perspectiva de uma gestão mais suave e, digamos, “civilizada” do conflito entre o capitalismo e o socialismo no contexto de uma sociedade ainda de tipo industrial mecânico.
A social-democracia representa somente um espaço de convergência horizontal e, quando muito, de evolução meramente conjuntural do capitalismo e do socialismo. Nesta perspectiva, faz um esforço razoável no sentido de se encontrar um certo equilíbrio entre as linhas genealógicas mais individualista e mais sistémica, e tende a evitar que a pretexto de se fazer justiça social se esmague o homem enquanto indivíduo, se castre a genialidade criadora pela sua canalização totalitária. Mas a
social-democracia não rompe com a sociedade de consumo, antes tende a generalizar os malefícios do consumismo.
E acaba por representar pouco mais que uma forma atenuada de gestão capitalista da economia, uma espécie de capitalismo social mediante um esforço de atenuação das gritantes injustiças do sistema capitalista. Tenta amortecer os problemas mas não deslocar a tendência à dominância. E porque a social-democracia não é capaz de operar esse deslocamento grassam nesses países, ainda mais que noutros, um certo número de cancros sociais que os corroem: – a droga, o suicídio, o mal-estar generalizado, etc., etc., que o tão cantado bem-estar económico-consumista (até quando) não consegue disfarçar.
Adocicando a sociedade acaba por libertar energias que, não se deslocando para estádios superiores, ficam bloqueadas vedado que está no quadro de uma simples social-democracia o espaço de uma autêntica revolução cultural.
Assim, os regimes social-democratas não resolvem os males profundos das sociedades ocidentais, males que se vêm aí acrescentando imprevisivelmente. Mas o problema, esse era
previsível.
De facto, uma sociedade que evolui de uma forma bastante unilateral, unidimensional, que se vai limitando a resolver os problemas de índole económica da população quase sem outras preocupações, que, assim, não abre perspectivas, acaba por não dar sentido à vida e uma razão de existir aos cidadãos e um objectivo às suas potencialidades. Então, as energias não gastas na luta pelo domínio económico ficam, digamos, desocupadas. Não basta resolver os problemas económicos, é necessário estimular a competição a níveis superiores, deslocar a tendência à dominância. Ora, isto passa pela ruptura com a sociedade de consumo, melhor, pela transferência do nível do consumo para o consumo preferencial de outro tipo de bens; isto passa por uma revolução cultural que nunca esteve nos planos da social-democracia.
E não é este um problema resolúvel pelo simples desenvolvimento das forças produtivas, até porque, como o considerava já Marcuse, não basta a abundância de bens de consumo que as
possibilidades técnicas criadas eventualmente proporcionem, se a sociedade “repressiva” se reproduz mantendo o reino de necessidade. Claro que o mítico reino de liberdade encerra no seu conceito algo de perfeição inatingível. (continua)

ÍNDICE:

Nota à Margem……………………………………………………………………………………..……… 9
Prólogo……………………………………………………………………………………….………………… 33
Introdução………………………………………………………………………………..……………………37
Através da Autogestão Orgânica… ………………………………………………………… 65
Das Conquistas, Limitações, Logros e Erros do Marxismo……………… 103
Da Desumanidade da Sociedade de Consumo……………..…………………… 158
Do “Amor” Totalitário e da Liberdade como Fim… ……..……………………… 195
Acerca da “Ideologia da Intelectualidade”… ………………………………………… 212
O Poder Político e o Poder Natural… …………………………………..………………… 233
Autómatos, ou em Vias de Libertação?………………………………………………… 247
Criatividade ao Poder!… …………………………………………………………………………… 263
Conclusão… ………………………………………………………………………………………………… 272
Posfácio …………………………………………….………………………………………………………… 291