(…)
A crença em que a felicidade depende das condições exteriores, das posses materiais, do estatuto social ou de uma outra pessoa aglomera um conjunto de identificações e apegos que só podem conduzir a uma perdição da alma.
É uma das mais falaciosas concepções e crenças que conduz ao sofrimento psicológico. Vislumbra-se, nesse estado de espírito, uma atitude fatalista e de rendição do nosso poder de mudança, de
transformação, de atualização e de transcendência do nosso ser.
Com excepção de certos casos ou países devastados pelas epidemias, onde subsiste um estado crónico de penúria extrema ao ponto de se morrer de fome e se sobreviver numas condições insalubres, a maioria de nós beneficia de um poder de decisão para mudar a sua situação ou, pelo menos, a forma de a encarar e a vivenciar. Se adquiriu e está a ler este livro é porque está fora de um estado de sobrevivência e de privação.
Ainda que desconhecido ou pouco explorado pela maioria, em cada um de nós existe um espaço interior provido de recursos insuspeitáveis, que muitas vezes só podem ser exumados quando confrontados com certos obstáculos passageiros.
(…)
Luís Philippe Jorge
O DESAPEGO
€20.00
Informação adicional
Peso | 470 g |
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ISBN | 978-989-8691-24-8 |
Ano | 2015 |
Edição | 1 |
Idioma | |
Formato | 145 x 210 |
Encadernação | Cartonada |
N. Pág. | 340 |
Colecção |
Página 206 a 211
OS APEGOS SÃO SABERES E O DESAPEGO ABRE-NOS A PORTA AO CONHECIMENTO INTEGRAL
Tanto nas relações com os semelhantes, como na forma de encarar e vivenciar os acontecimentos, temos o poder e a virtude de nos desapegarmos de um agregado de identificações inerentes aos modelos culturais. Tudo o que nos retém cativos de sentimentos, emoções, preceitos, conceitos e outros componentes psicoafectivos ou mentais portadores de transtornos ou desânimos, sejam os acontecimentos ou as identificações condicionantes, sejam os objectos ou as ideias, significa que persistem em nós diversas obstruções que impedem uma libertadora expressão e actualização do nosso ser. Como examinado, os eventos, as circunstâncias, as casualidades e todos os factos
exteriores são, para todos os efeitos, fenómenos activadores ou estímulos que desencadeiam reacções mentais e sentimentais, assim como uma gama diversificada de emoções que nos ligam
ao exterior. O exterior é, pela sua infinita diversidade, um vasto campo de acontecimentos que estimulam uma variação de reações visíveis, as quais surgem do nosso fundo até à superfície.
É do fundo do nosso interior que emerge o ânimo, personificado pelos sentimentos/pensamentos que impregnam e caracterizam a nossa personalidade e, daí, a nossa forma de apreciar o exterior. Lembremo-nos que todos somos animados e mobilizados pela força instintiva e cósmica de nos sentirmos ligados às coisas, às ideias e, essencialmente, aos semelhantes.
A consciência da importância do desapego intervém e justifica- se quando a nossa ligação a um objecto, a uma ideia ou a uma pessoa provoca e retém transtornos desproporcionados que vulnerabilizam o bem-estar, que comprometem o equilíbrio idiossincrásico e que impedem a instauração de um estado de paz, de liberdade interior e de felicidade. Se observarmos
com lucidez, com honestidade e com transparência dentro de nós, não são as coisas, as concepções ou as pessoas que constituem os apegos, mas, principalmente, o mesclado de afectos,
sentimentos e pensamentos com que os apreciamos, os acompanhamos, os avaliamos e aos quais ficamos colados. São esses pensamentos e sentimentos que predeterminam a forma de nos ligarmos ao exterior, e é daí que surgem os eventuais problemas, aborrecimentos, angústias e outras variáveis do sofrimento humano. O desapego é deixar fluir, é aceitar como é e não nos agarrarmos ao que gostaríamos que fosse, é apurar e optimizar os nossos sentidos no momento, é abrirmo-nos ao que se vê e ao que se sente, sem se estar subjugado pelos antecedentes e pelas antecipações, é percepcionarmos a eternidade num segundo, é encantarmo-nos como uma criança
com a consciência de um adulto. Em suma, é viver plenamente o momento presente. Como diz um amigo de viagem: «Num instante se nasce, noutro instante se morre! Assim sendo, façaentão, do intervalo entre esses instantes, um instante bastante grande que valha por uma vida inteira».
Louiz Lupi «John»
Com um mínimo de bom senso, sabemos que os conhecimentos teóricos ou práticos, tanto como as experiências acumuladas ou as múltiplas formas de saberes empíricos e teóricos, são recursos para melhor evoluirmos e nos adaptarmos às situações conhecidas e desconhecidas e à adversidade em geral.
Seja pela ciência e experiência, seja pelas crenças, recorremos a essas fontes de saberes para explicar, descrever e entender os factos e, em certos casos, tentar antecipar os acontecimentos
para agir de forma prevenida e adequada. Contudo, acontece que essas mesmas fontes de saberes nem permitem alcançar uma compreensão apropriada de um fenómeno e adaptar-se a uma determinada situação, nem trazem uma solução para o que parece ou é interpretado como sendo um problema. Para muitas pessoas, existe uma dificuldade em cultivar uma abertura e flexibilidade mental e em desapegarem-se dos recursos conhecidos, dos hábitos e das ideias comuns, quando confrontadas com uma situação inabitual, o que as acorrenta à tendência para estacionarem nos saberes habituais ou para se agarrarem às experiências conhecidas. Ora, por vezes, a melhor forma de entender e de propiciar uma criatividade ajustada às circunstâncias é deixando a intuição guiar as nossas percepções e acções. O entendimento que daí resulta provém, justamente, da habilidade em desprender-se ou largar, num dado momento, todas as fontes de saberes habituais e referenciais.
É nos momentos de vazio mental que a apreensão e a compreensão dos fenómenos se tornam inovadoras, que se descobrem as ideias geniais, que surgem as invenções. A ciência arquitetura-se pela observação e medição de fenómenos exteriores, o que edifica deduções e conclusões objectivas que determinam saberes. Ao invés, o conhecimento intuitivo surge de uma percepção interior e espontânea, em parte subjectiva, que sai «momentanea-mente»2 do raciocínio lógico ou do
quadro científico. Ora, sabemos que, na maioria dos casos, as descobertas e conhecimentos emergem, na fase embrionária, de uma intuição inerente a uma sapiência mais ou menos consciente.
A partir daí, são as explicações e descrições lógicas, as demonstrações e validações sistemáticas e as reproduções controladas que convertem o conhecimento em saber científico.
A intuição é, de uma certa forma, um conhecimento inato ou um presságio do posterior conhecimento científico. Assim foi quando Arquimedes descobriu a força de gravidade específica
dos corpos na água, de onde provém, segundo a lenda, a famosa exclamação Eureka, que significa, literalmente, em grego, «achei», tanto como o foi quando Einstein descobriu a lei da Relatividade e aquando de muitas outras descobertas.
Numa outra perspectiva, todos os conhecimentos já preexistem e estão «armazenados» ou pendentes numa dimensão fora deste espaço-tempo linear, antes de impregnarem o inconsciente colectivo. Os conhecimentos ou descobertas vão depois emergir à consciência pelo entendimento intuitivo de um ou mais indivíduos, quando o nível de consciência do colectivo estiver pronto a entendê-lo, sem necessariamente o acolher.
E isso independentemente da tentativa de controlo e do poder coercivo de determinadas instituições governamentais para o abafar ou censurar. A aptidão em esvaziar a mente, em olhar para dentro sem se deixar invadir pelos pensamentos e sentimentos habituais e conhecidos que persistem e contaminam o nosso espaço mental interno, favorece um «silêncio» interior, um vácuo momentâneo, coadjuvando uma forma inovada e inovadora de observar e entender os eventos. A atitude mais
propícia para aprender, desenvolver e descobrir novos conhecimentos, bem como para estimular novas aptidões, é, precisamente, observar, ouvir, receber e aceitar que nada sabemos ou pouco sabemos sobre um assunto ou situação. Basta observar as crianças em processo de aprendizagem, para reconhecermos que é nesse estado de espírito que se adquirem com mais nitidez novos conhecimentos e habilidades. É com uma abertura mental ou num estado de vazio intelectual que se pode melhor receber e acolher novos dados ou fazer face a uma situação inusitada
que obriga a novos talentos. O génio, a invenção, o acto criativo, a descoberta, o talento, são impulsos psico-espirituais que emergem do pré-consciente ou do inconsciente pela intuição, porque o mental abandonou, num dado momento, quase imperceptivalmente, o conhecido, os esquemas ou conceitos habituais e outros parâmetros já explorados ou estudados.
Assim sendo, se é verdade que os nossos conhecimentos e experiências favorecem o entendimento de certos factos e aumentam as nossas competências e capacidades adaptativas, também é verdade que podem impedir-nos de receber e perceber novas ideias, de relativizar as nossas concepções e de perspectivar uma outra forma de entender e de agir. É numa atitude de desapego intelectual, sentimental e moral que se descobre a nossa fluidez mental, a nossa criatividade, a nossa humildade, a nossa profundeza, uma surpreendente sapiência e uma capacidade de adaptação insuspeitada. Quando prematuramente preenchida de conceitos e preconceitos, de precauções e concepções, a mente já fica ocupada e, frequentemente, obstruída pela quantidade de conhecimentos psicológicos, filosóficos, científicos, técnicos, religiosos e pelas experiências. Existe uma máxima chinesa de Lao Tsé que lembra o seguinte: «Quem conhece a sua ignorância revela a mais profunda sapiência. Quem ignora a sua ignorância vive na mais profunda ilusão». Muito proveitosa seria a aplicação deste aforismo a muitos de nós.
Com efeito, a maioria de nós é condicionada pela tendência intelectual para associar os factos ou dados a um registo de conhecimentos acumulados, a experiências passadas e a outras memórias, e, por isso, inclinados a tentar colocar uma explicação racional face a uma ordem de factos inabituais. Oiço, frequentemente, durante as sessões terapêuticas, tanto como em outras circunstâncias, a pessoa, depois de explicar e descrever uma situação, acabar por dizer «não sei, não percebo». Esta afirmação subentende uma tentativa de procurar uma explicação e resposta racional ou encaixar o fenómeno numa lógica normalizada.
Se calhar, não se trata de «saber» ou «perceber», mas simplesmente de «receber», ou seja, aceitar as condições com o coração, sem condicionar a mente.
2 «Momentanea-mente», recorro novamente a esta decomposição
da palavra para insinuar a noção de instantaneidade de uma ideia,
que aparece com sagacidade na mente, porque surge fora de um
processamento linear/racional próprio do mental, o qual se apoia
nos factos objectivos e exteriores. Ora, sabemos que o substantivo
intuição, ou intuir, remete para a ideia de ver por dentro ou de forma
intuitiva, o que vai ressoar na mente com o auxílio do mental.
ÍNDICE:
Abertura…………………………………………………………………………………11
Insistir sobre a ideia do desapego já é, por si só, um apego!………………13
1.º Capítulo………………………………………………………………………………17
Onde é que começam e acabam os apegos?……………………………….. 19
Aceitação não é resignação……………………………………………………….27
Do desapego à criatividade……………………………………………………… 30
Resistências e apegos………………………………………………………………33
Da segurança aos apegos………………………………………………………….38
Exemplo da origem afectiva dos apegos……………………………………..42
Prazer com apego…………………………………………………………………….52
Prazer com desapego……………………………………………………………….56
Prazer/sofrer…………………………………………………………………………..59
Exemplo de derivação de um apego…………………………………………… 61
O desconhecido……………………………………………………………………….62
Caso 1. voltamos ao caso da brigitte aflorado no início………………… 64
Semelhança…………………………………………………………………………… 71
2.º Capítulo…………………………………………………………………………… 75
Estamos realmente a relacionar-nos com os outros,
ou com nós próprios?………………………………………………………………. 77
Modelização da personalidade…………………………………………………. 80
Os apegos escondidos nas relações interpessoais……………………….. 91
A família: primeiro sistema de apegos……………………………………… 98
Os apegos na relação conjugal…………………………………………………104
A projecção psicológica, mecanismo de apego……………………………113
Exemplos de um apego restritivo no campo das relações sociais….. 117
2.º Caso. outro exemplo de apego …………………………………………….121
No quadro de um acompanhamento ………………………………………..121
Psicoterapêutico…………………………………………………………………….121
Viagem Intemporal………………………………………………………………… 131
3.º Capitulo…………………………………………………………………………… 135
Será que o apego é um problema ou que muitos problemas
decorrem dos apegos?…………………………………………………………….137
Será que há realmente um problema ou há uma interpretação
problemática dos factos?……………………………………………………….. 142
Os conhecimentos ensinam-nos a resolver problemas,
e os problemas ensinam-nos novos conhecimentos!…………………. 152
A existência de um problema depende
da atitude do observador!………………………………………………………..157
Onde é que começa o agradável ou desagradável
a não ser na nossa mente!?……………………………………………………. 160
Podemos fazer do dia-a-dia uma luta ou uma «caminhada»!……… 165
A crise: uma oportunidade de mudança
e de transformação individual e colectiva…………………………………. 174
3.º Caso…………………………………………………………………………………181
Presciência…………………………………………………………………………… 193
4.º Capitulo… ……………………………………………………………………… 195
A mente percebe, o coração recebe………………………………………….. 197
Os apegos são saberes
e o desapego abre-nos a porta ao conhecimento integral……………206
A humildade favorece a sapiência
e a sapiência leva à humildade……………………………………………….. 216
As religiões: modelos de ligações que tanto
podem unir como desunir……………………………………………………….224
As bases biológicas e instintivas da fé……………………………………..230
Os sentimentos nefastos,
coniventes com os apegos e adversários da felicidade………………..234
O medo, apego quase incontornável…………………………………………235
A inveja crónica, uma moléstia psicológica muito propagada………239
4.º Caso………………………………………………………………………………..243
Fusão…………………………………………………………………………………..257
5.º Capitulo…………………………………………………………………………… 259
À procura de nós através dos outros………………………………………… 261
As bases biológicas da atracção……………………………………………….264
As modalidades afectivas decorrentes do universo familiar…………266
O inconsciente: (amigo ou inimigo?) parceiro ou rasteiro?………….. 281
O «já não quero isto!»…………………………………………………………….293
A relação certa!……………………………………………………………………..303
As grandezas e subtilezas do «dar e receber»…………………………… 306
5.º Caso……………………………………………………………………………….. 313
Aforismos… ………………………………………………………………………… 325