III CAPÍTULO – PARTE II – «SEDE PERFEITOSCOMO O VOSSO PAI CELESTE»
Uma semente não é mais do que um ser vivo que apela incessantemente às forças e aos materiais
do cosmos para poder realizar a sua tarefa. E a sua tarefa é assemelhar-se à árvore que a produziu.
O Criador depôs na semente a vocação de se assemelhar à sua mãe, a árvore; por isso, uma vez
plantada, a menos que seja defeituosa, todo o seu trabalho irá no sentido de concretizar essa vocação, utilizando, entre os elementos que a rodeiam, aqueles que lhe são convenientes, e deixando os outros de lado. É assim que ela conseguirá exprimir todas as tendências indicadas no esquema que traz em si.
Ora bem: acontece o mesmo com o homem. Uma vez que Deus criou o homem à sua imagem, ele
tem a possibilidade de se tornar como o seu Pai Celeste, se se desenvolver corretamente.
O que existe numa semente? Se a cortardes para a examinar ao microscópio, não descobrireis
nela a imagem da árvore. Todavia, quando a puserdes na terra, essa sementinha insignificante vai dar, pouco a pouco, uma planta magnífica com raízes, caule, folhas, flores e frutos. É evidente que, se abrirdes a semente para a estudar, não encontrareis o desenho dos ramos ou das folhas, porque esse registo é de natureza etérica. Só quando tiverdes a possibilidade de ver no mundo etérico é que vos apercebereis de toda a estrutura da árvore tal como ela deverá desenvolver-se, segundo esta ou aquela linha de força.
O crescimento é, pois, um trabalho que se processa segundo um certo esquema, segundo determinadas linhas de força, para que a planta adquira exatamente as mesmas características que aquela que a produziu: forma, dimensão, cor, gosto, perfume, propriedades. Toda a gente acha isso normal, natural, não suscita reflexões nem interrogações, mas não é extraordinário?… Contudo, o mais extraordinário é que este processo de crescimento da semente pode revelar-nos o mistério do homem.
O homem também possui interiormente um esquema segundo o qual as forças que estão nele
se determinam, se orientam. O que é este esquema e como realizá-lo – é sobre isso que eu agora vou falar-vos.
Quando se quer construir um edifício qualquer, é sempre necessário um projeto, um plano. Assim,
para qualquer construção, há sempre o autor do plano, o arquiteto, e depois os operários que executam o trabalho e, evidentemente, os materiais necessários à construção. O mesmo sucede quando uma criança se forma no ventre da mãe: ela forma-se segundo um esquema, um plano, um programa elaborado pelos Senhores dos Destinos, consoante o que aquele ser mereceu pela vida que levou nas incarnações anteriores, e a mãe constrói-lhe uma casa, ou seja, um corpo correspondente a esse plano.
Assim, quando um ser humano desce à terra, vem com um germe que contém as linhas de força
do seu destino – como cada grão ou semente que encontramos na natureza –, isto é, um registo original segundo o qual a planta começa a desenvolver-se e a crescer quando é posta na terra. É em
conformidade com esta imagem, com este registo, que vai decorrer todo o seu crescimento.
Na realidade, não é a partir de apenas um germe que o ser humano se desenvolve, mas a
partir de sete. Estes sete germes correspondem aos seus diferentes corpos: átmico, búdico, causal,
mental, astral, etérico e físico. Estes corpos são os suportes da vida física (corpo físico), afetiva
(corpo astral), intelectual (corpo mental) e espiritual (corpos causal, búdico e átmico). À medida que vai descendo através das diferentes regiões do espaço, ele recebe os germes que permitirão que
esses corpos se desenvolvam, começando pelo mais subtil, o corpo átmico, para terminar no mais
material, o corpo físico.
Mas voltemos à semente. Alguns viajantes que foram à Índia contam que viram faquires plantar
um caroço de manga, por exemplo, e fazer crescer, em muito pouco tempo, uma pequena árvore
cujos frutos distribuíam depois pela multidão.
Este fenómeno explica-se pelo facto de o faquir trabalhar com uma substância a que, na Índia, se
chama akasha. Esta substância etérica, propagada no espaço, pode ser utilizada para acelerar o
crescimento da vegetação e fazer amadurecer os frutos muito rapidamente. Portanto, quem souber
concentrar-se nesta força akashica é capaz de fazer crescer, em muito pouco tempo, uma árvore que
normalmente levaria meses ou anos a completar o seu crescimento.
Mas nenhum dos pensadores que se debruçaram sobre este fenómeno (e eu não falo, bem entendido, daqueles que só quiseram ver nele charlatanismo) foi ao ponto de descobrir que o
ser humano pode igualmente acelerar o seu aperfeiçoamento.
A vocação do homem é alcançar a perfeição do seu Pai Celeste; ainda que esta evolução tenha de demorar séculos, milénios, o ser humano está construído para atingir a perfeição divina; isso está inscrito na sua estrutura. Na realidade, o que não se sabe é que ele pode atingir esse estado de perfeição numa única incarnação. Sim, isso é possível, mas na condição de ele ser capaz
de encontrar essa imagem de Deus em si mesmo e de a alimentar, servindo-se da matéria akashica, da eletricidade cósmica, a que Hermes Trismegisto, na Tábua de Esmeralda, chama a força Telesma.
Seja qual for o nome que se lhe dê, trata-se sempre dessa mesma força primordial, “a força forte de
todas as forças”, como Hermes Trismegisto também lhe chama, essa força que vem do sol, de que
o sol é o distribuidor e a fonte inesgotável. Uma das manifestações dessa força é o amor, o amor
que faz mover os mundos e de que o amor sexual é apenas um aspeto limitado.
É esta a verdadeira ciência, que muito poucos possuem: como trabalhar com essa força para atingir
a perfeição, essa perfeição que já está gravada algures em nós, tal como na semente. A semente
não se assemelha à árvore, mas a imagem da árvore está inscrita nela; se a puserdes em condições favoráveis, ela transformar-se-á numa árvore, porque antes de se realizar no domínio material, físico,
essa imagem da árvore já está realizada algures no domínio subtil. A vocação desta semente que nós somos consiste, pois, em nos aproximarmos cada vez mais da imagem do Pai Celeste que trazemos em nós, em vibrarmos em uníssono com Ele, a fim de nos tornarmos semelhantes a Ele.
Também se pode dizer que esta imagem divina em nós é o nosso Eu superior, para o qual devemos
tender a fim de nos fundirmos com ele, tal como a sementinha, que era negra, baça e insignificante,
se transforma numa árvore gigantesca, rica, portentosa.
Observai um carvalho: inicialmente, era uma pequenina glande, mesmo boa para ser comida por
um porco. E depois, anos mais tarde, vemos uma magnífica árvore que embeleza a floresta: a sua
folhagem purifica a atmosfera, as aves constroem ninhos nos seus ramos, as crianças penduram nela os seus baloiços, os passeantes vêm repousar junto dela, os pintores inspiram-se nela para os seus quadros, os camponeses aproveitam a sua lenha para fazer lume… Que árvore formidável, um carvalho!
No entanto, inicialmente não era quase nada. Nós também não somos quase nada, mas, se soubermos servir-nos desse meio fantástico, dessa “força forte de todas as forças”, para trabalharmos a imagem divina que existe em nós, conseguiremos realizar-nos tal como o Senhor nos concebeu.
Está escrito que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança. Essa imagem está em nós,
foi o próprio Deus que a colocou em nós, e agora compete-nos fazer esforços para conseguirmos
chegar à semelhança. A única atividade digna desse nome é trabalharmos para nos assemelharmos ao nosso Pai Celeste, pelo menos esforçarmo-nos para o conseguir, para irmos sempre mais longe, mais alto, para vermos as coisas de outro modo, na sua imensidão e no seu esplendor.
Sim, Deus criou o homem à sua imagem, e essa imagem encontra-se no germe do corpo átmico.
A imagem de Deus no homem não se pode encontrar nos planos físico, astral ou mental, senão poder-se-ia concluir que o Senhor era muito imperfeito, muito desajeitado e muito fraco. É no alto, no
nosso espírito, lá onde reinam a beleza e a perfeição absolutas, que nós somos à imagem de Deus.
É impossível vermos essa perfeição porque os outros corpos, mais densos, são como carapaças que
nos impedem de a vislumbrar. Mas aquele que souber concentrar-se nesse germe sublime que representa a luz absoluta, o amor absoluto, consegue, pouco a pouco, fazê-lo crescer e desenvolver-se.
Enquanto não houver nada que o vivifique – nem pensamento, nem sentimento – o germe
permanecerá improdutivo e o homem continuará a viver a sua vida medíocre, sem saber que existem
meios de a transformar. Mas, no momento em que o discípulo se torna capaz de projetar o seu
pensamento e o seu amor nesse germe, ele não só começa a desenvolver-se, como influencia os
outros corpos, que, pouco a pouco, na medida das suas possibilidades (porque eles, apesar de tudo,
são limitados), conseguem transformar-se. A partir do momento em que ele consegue vivificar essa
matriz que em si existe, influencia progressivamente as células de todo corpo, criando entre elas
uma extraordinária harmonia.
A Cabala explica que o primeiro homem que vivia no Jardim do Éden, o homem cósmico, chamado
Adam Kadmon, tinha exatamente o rosto do Senhor.1 Mas, mais tarde, quando o intelecto
despertou nele (e este processo é simbolizado pela serpente enrolada à volta da Árvore do Conhecimento do Bem e do Mal), o primeiro homem foi tentado a alargar o campo dos seus conhecimentos e abandonou o Paraíso (quer dizer, desceu às regiões cada vez mais densas da matéria, onde conheceu o frio, a escuridão, a doença, a morte), e os espíritos da natureza e os animais, que até então lhe obedeciam, afastaram-se dele e começaram a atormentá-lo.2
Quando o homem conseguir voltar a ter o seu rosto primordial, todos os espíritos do Universo lhe
obedecerão de novo e conceder-lhe-ão tudo o que ele lhes pedir. Mas, até lá, ele continuará a assemelhar- se àquele filho pródigo da parábola que, tendo deixado a casa paterna para correr mundo, veio a viver miseravelmente como guardador de porcos. Mas, ao menos, esse filho pródigo acabou por compreender que devia voltar para a casa do pai… E vós? Será que também acabareis por compreender que deveis regressar à Origem, para reencontrardes a luz, o amor e a vida do Pai Celeste?
Regressar à Origem, à Fonte, é o que nós fazemos todas as manhãs quando vamos contemplar
o nascer do sol, porque o sol é a expressão da Divindade na terra. Nenhum Iniciado vos dirá que
o sol é o próprio Deus, e eu também não vos digo isso, mas, nos seus aspetos de luz, de calor e de
vida, o sol é o melhor símbolo da Santíssima Trindade.3 Se nos aproximarmos dele conscientemente, todas as manhãs, ele alimentará e reforçará essa pequena trindade que trazemos em nós: o intelecto que necessita de luz, o coração que necessita de calor, de amor, e a vontade que necessita de vida, de energia. Mas os cristãos, que não quiseram ver no sol a manifestação da Santíssima Trindade, porque isso lhes parecia uma conceção de pagãos ou
de selvagens, preferiram procurá-la em imagens mortas que nada exprimem, que não irradiam e,
portanto, não têm qualquer utilidade.
Ao contemplar o sol, vós permitis que essa força akashica, a força Telesma, que ele propaga
através do espaço, venha vivificar, no germe sublime que trazeis em vós, a imagem que é a
matriz, o cunho perfeito do Senhor. Quando conseguirdes re-encontrar essa imagem em vós, os
espíritos da natureza, os quatro elementos, colocar-se-ão ao vosso serviço; se lhes fizerdes algum
pedido, eles ficarão muito contentes por corresponderem a ele, porque veem em vós essa imagem que respeitam. Mas, se não a virem, voltar-se-ão contra vós e poderão mesmo desagregar-vos. Foi assim que certos magos negros, que quiseram comandar os espíritos da natureza, se tornaram suas vítimas; os espíritos vingaram-se e dilaceraram-nos, porque não gostam de obedecer a pessoas que não têm amor, nem pureza, nem luz, não gostam que alguém tente impor-se a eles por intermédio de
conjurações mágicas. A única força que eles respeitam é a luz que o Iniciado projeta quando consegue expressar o verdadeiro cunho de Deus que traz em si.4
Porque não esclarecem os cristãos e os deixam andar a patinhar em noções tão ineficazes, inúteis
e até nocivas? Há dois mil anos, Jesus disse: «Sede perfeitos como o vosso Pai Celeste é perfeito», mas será que os cristãos procuram realmente a perfeição do seu Pai Celeste? Eles mostram-se sempre fracos, miseráveis, invejosos, rancorosos, coléricos, sensuais… É isso a Divindade? As noções e os conhecimentos que lhes deram são insuficientes para eles poderem transformar-se verdadeiramente.
Eles precisam de mais qualquer coisa.
Alguns dirão: «Como? Eles têm tudo! Está tudo nos Evangelhos!» Sim, eu sei, mas será que eles
compreenderam os Evangelhos? Mais do que ninguém, eu estou convencido de que os Evangelhos
contêm tesouros, mas tesouros que eles ainda não souberam descobrir e muito menos aplicar. Sim,
está tudo nos Evangelhos, na cabeça dos cristãos é que não há grande coisa.
A filosofia do Cristo conduz o homem à realização do mais alto ideal: assemelhar-se ao modelo
divino que traz em si, no plano átmico. Jesus só pôde dizer «Sede perfeitos como o vosso Pai
Celeste é perfeito» porque em cada criatura está depositada, como uma semente, a imagem da perfeição do Pai Celeste, e alimentando essa semente, regando-a, vivificando-a, pouco a pouco aproximais-vos da sua perfeição. Mas só o alto ideal pode ajudar-vos a chegar lá.
A mãe que espera um filho não sabe como se forma essa criança, não tem consciência de
nada, no entanto a criança forma-se segundo um esquema invisível contido no germe que ela recebeu.
Ela própria nada sabe, mas no seu subconsciente há forças que sabem muito bem como atuar.
De igual modo, vós podeis estimular o crescimento do germe divino. Por isso, quando fizerdes as vossas orações, quando estiverdes a meditar, esforçai-vos por subir ao cume do vosso ser, porque é daí, do cume, ou do coração (a palavra é diferente, mas a atitude interior é a mesma), que fluirão forças e energias que irão transformar tudo em vós, até à vibração da mais pequena célula, do mais pequeno átomo do vosso ser.
Notas
1. Cf. Do homem a Deus – séfiras e hierarquias angélicas,
Col. Izvor n.º 236, cap. XI: «O corpo de Adam Kadmon».
2. Cf. A Árvore do conhecimento do bem e do mal, Col. Izvor
n.º 210, cap. I: «As duas árvores do Paraíso».
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«Sede perfeitos como o