Os acontecimentos fenomenais que vou passar a narrar passaram-se numa quinta, numa fazenda, num sítio, seja lá como for que lhe queiram chamar, algures num ponto deste mundo. Seria inconveniente revelar a sua localização, pois estou convencido de que, se denunciasse as coordenadas, em breve se organizariam romarias e excursões turísticas! De facto, quem não gostaria de peregrinar ao local onde ocorreu esta sequência de nascimentos? Quem não gostaria de acompanhar a repetição interminável desta história? Sim, porque a coisa, como é natural, continua a verificar-se; os habitantes da quinta é que não se apercebem. Se eles soubessem o que está a passar-se mesmo debaixo do seu nariz…
Então, as primeiras personagens que vos apresento são, evidentemente, o Pai Pato e a Mãe Pata. Realmente, se vamos lidar com as 12 encarnações do Patinho, temos primeiro de saber quem vai pô-los neste mundo. Todavia, de momento, pouco há a dizer sobre este casal, excepto que são dois patos jovens, perfeitamente normais e saudáveis, amantes de voar em formação pelos céus e chapinhar na água. Desde que acasalaram, porém, essas passeatas têm ficado um pouco comprometidas, por causa dos compromissos e afazeres familiares. Mas estão em paz porque gostam imenso um do outro e estão na disposição de se apoiarem mutuamente. Esperam que seja até que a morte os separe, pois, nisso, são como muitos humanos. Portanto, não vai longe ainda o dia em que quá-quaram o “sim” um ao outro. Fizeram-no em privado, sem recorrer a padres ou notários, pois foram de opinião de que, para duas criaturas se prometerem amor e dedicação eternos, não precisam de intermediários.
Quis o destino que o enlace ocorresse numa quinta, à beira de um grande lago, muito azul e bonito. A curta distância da baía que confina com o terreno da quinta, existe uma pequena ilha, cheia de juncos e arbustos. Esta ilhota embeleza sobremaneira a paisagem porque, quando se olha de terra, quebra a imensidão do espelho de água que, nos dias quentes, tende a desvanecer os contornos da outra margem. Sendo assim, estes dois patos – que nem sabem o que os espera – dispõem de todas as condições, pessoais e ambientais, para se entregarem à tarefa notável de terem o mesmo filho 12 vezes. Por questões que não vêm ao caso, resolvi passar por cima da lua-de-mel, das suas atrapalhações e vicissitudes, e começar a narrativa surpreendendo-os muito ansiosos, uma vez que todos os sinais apontam no sentido de que o Patinho está prestes a nascer pela primeira vez.
Ei-los, então, muito nervosos, fazendo de conta que nada têm para fazer a não ser fazer de conta que estão descontraidíssimos. No entanto, a verdade é que estão numa expectativa medonha. Sem conseguirem tirar os olhos do ovo que a Mãe Pata pôs há semanas atrás, esperam ansiosamente o que está para acontecer. Tentando suster a tensão gerada por nunca terem passado por aquilo, recearam que todo o processo de galação e incubação tinha falhado. Pelos vistos, tal como a maioria dos humanos, também a eles pareceu que tudo ia correr pelo pior. Isto é tão verdade que a Mãe Pata, coitada, tão extremosa, virou-se para o Pai Pato e disse-lhe assim:
– Qu é que tu achas? Isto não anda nem desanda! Será que a gente se distraiu com o tempo de incubação? Se calhar foi insuficiente. Está-me cá a parecer que o melhor é saltar outra vez p ra cima do ovo e dar-lhe mais um bocadinho de calor!
– Experimenta, amor – aconselhou o Pai Pato. Não se perde nada. Mais vale sobrar que faltar! Valha-nos Nossa Senhora! Bem nos avisaram que a primeira vez é sempre uma chatice!
E a Mãe Pata lá se ajeitou outra vez, cautelosamente, em cima do ovo. Estava ela muito descansada a transmitir mais um bocadinho de calor ao Patinho por nascer, quando olhou ternamente para o companheiro e não resistiu a confessar:
– Ai, amor, como sou feliz!
– Também eu, minha filha, também eu. Ainda há quem diga que a vida é uma tristeza.
– Quem diz isso – acrescentou a Mãe Pata – é porque ainda não se permitiu experimentar os prazeres da felicidade… Afinal, é tão simples…
– Oxalá o nosso filho nasça perfeitinho. Estou desejoso de ensiná-lo a nadar e a voar. Quero que ele seja um pato honesto, honrado e trabalhador, que respeite a Natureza e tenha consideração pelos seus semelhantes.
– Há de ser, tenho a certeza – disse a Mãe Pata, confiante. O bom Deus dos Patos não ia agora pôr-nos à prova, dando-nos um filho parecido com as pessoas. Olha, meu querido, fecha os olhos e pensa nisso com muita força. Se não tiveres dúvidas de que assim acontecerá, a coisa torna-se realidade.
– Tu é que também podias dar uma ajudinha – sugeriu o Pai Pato.
– Tá bem. Vamos lá então concentrar os nossos pensamentos nesse desejo.
E, fechando comoventemente os olhos, ambos se concentraram naquele objectivo. Deram, até, alguns suspiros.