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NO COMEÇO, ERA O VERBO – Comentários aos Evangelhos

Autor:Aïvanhov, Omraam Mikhaël

19.00

Informação adicional

Peso370 g
ISBN

978-989-8691-86-6

Ano

2020

Edição

1

Idioma

Formato

145 x 210

Encadernação

Cartonada

N. Pág.

276

Colecção

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«Nenhum livro pode ensinar-nos verdades mais essenciais do que os Evangelhos. Alguns de vós dirão que os leram e não encontraram neles grande coisa, por isso agora procuram o seu caminho nas religiões ou nas filosofias orientais… Pois bem, isso acontece, muito simplesmente, porque não compreenderam a incomensurável sabedoria contida nos Evangelhos.
É claro que eu sei que eles estão saturados de textos conhecidos e têm vontade de mudar um pouco de alimento. Mas é perigoso ir procurar esse alimento em ensinamentos que não compreenderão, pois não estão adaptados à sua estrutura e à sua mentalidade. Alguns Ocidentais estudaram-nos e praticaram-nos com bons resultados, mas são raros.
O que é dirigido a nós, Ocidentais, é o ensinamento dos Evangelhos. Como não lestes nem meditastes neles seriamente, procurais outra coisa, mas com que objectivo?… E não deveis pensar que os sábios e os Mestre espirituais da Índia se sentem muito felizes e orgulhosos pelo facto de verem cristãos negligenciarem a sua religião para assumirem o aspecto de yogis, balbuciarem algumas palavras em sânscrito e recitarem mantras depois de acenderem uns pauzinhos de incenso. Isso apenas mostra que eles gostam do exotismo e não da verdade sem ornamento.
Acreditai no que vos digo: os cristãos podem encontrar na Bíblia, e nas numerosas obras que ela inspirou, tudo aquilo de que necessitam para o seu desenvolvimento espiritual.»

IX

«PAI, PERDOA-LHES, PORQUE ELES NÃO SABEM O QUE FAZEM»

As pessoas leem os Evangelhos, interpretam-nos, mas com frequência ficam bastante longe do pensamento de Jesus. Já vos provei isso muitas vezes! As pessoas interpretam as palavras e os atos de alguém, mas segundo o seu próprio ponto de vista, as suas limitações e, até, os seus defeitos. É preciso entrar na cabeça de um ser para se saber exatamente o que ele quer dizer.

Existem métodos para compreender o que disseram ou escreveram homens que morreram já há muito tempo, e todos aqueles que os conhecem chegam obrigatoriamente às mesmas conclusões. É por não se conhecer esses métodos que as interpretações são divergentes. Cada um apresenta a sua. E agora as pessoas estão tão desagradadas com todas essas interpretações, mesmo apenas no que diz respeito aos Evangelhos, que já não querem ouvir falar deles, o que é normal.

Consideremos um exemplo. Há dois mil anos que se cita estas palavras que Jesus pronunciou na cruz: «Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem». Todos aqueles que as comentam insistem no perdão, dizendo que se deve perdoar como Jesus perdoou, e não passam daí. Ora, há dois mil anos que aqueles que escutam estes conselhos tentam perdoar aos seus inimigos e a todos os que lhes fizeram mal, mas não conseguem. Porquê? Porque Jesus tinha um segredo e, enquanto não se conhecer esse segredo, mesmo que se queira tomar Jesus como modelo, não se consegue perdoar. Não basta querer tomá-lo como modelo. Enquanto não se conseguir estabelecer um contacto com Jesus, por intermédio do conhecimento e da compreensão daquilo que ele próprio conhecia, ele continua distante, inacessível, e não se consegue imitá-lo; pensa-se que, como ele era o Filho de Deus, o Cristo, conseguia perdoar, mas nós, que somos homens, não conseguimos.

O que eu vou explicar-vos agora dar-vos-á o método para perdoardes a todos os que vos fizeram mal. Alguns de vós dirão: «Mas nós não queremos perdoar!» Está bem, mas nesse caso ficareis sobrecarregados e atormentar-vos-eis, envenenar-vos-eis, ficareis infelizes e tristes, pois é horrível guardar rancor a alguém. Há que fazer qualquer coisa para sair dessa situação, e, como não é aconselhável uma pessoa ir matar o inimigo para se ver livre dele, deveis perdoar. Vou explicar-vos como fazê-lo.

Estudemos a frase de Jesus: «Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem». Porque é que não se analisou melhor esta frase?… «Pai, perdoa-lhes, porque…» Jesus explica ao Senhor que é preciso perdoar e por que motivo é preciso perdoar. Como compreender tal coisa? É possível ensinar a Deus algo que Ele ignore? Porque é que é preciso dizer-Lhe: «porque eles não sabem o que fazem»? O Senhor não estava ao corrente? Será que Ele não sabe que os homens são inconscientes, ignorantes e estúpidos? Seria preciso Jesus esclarecê-l’O acerca disso? E depois, em vez de dizer: «Eu perdoo-lhes…», Jesus diz: «Pai, perdoa-lhes…» Porque é que é Deus que deve perdoar? Deus não tem nada a ver com o assunto, não foi Ele que foi crucificado, foi Jesus.

Na realidade, todo o segredo do perdão está na fórmula que as pessoas não estudaram. Ao dizer: «Pai, perdoa-lhes…», Jesus ligou-se a Deus, colocou-se, portanto, muito alto, acima dos seus inimigos e dos seus algozes. Em seguida, lastimou-os achando que eles não eram inteligentes, que não tinham luz, portanto, que eram pobres, miseráveis, porque, na realidade, não ter a luz é ter falta de tudo. Neste estado superior em que se tinha colocado, Jesus via a tal ponto a miséria dos outros,
que nem sequer tinha necessidade de perdoar. Esta fórmula é um método psicológico que Jesus utilizou para agir interiormente sobre si mesmo. Direis: «Não, não, Jesus sabia que Deus é terrível e implacável, que Ele castigaria os seus inimigos, por isso é que Lhe suplicou que não os massacrasse.» Não! Jesus, que dizia que Deus é Amor, não podia pensar, de um momento para o outro, que tinha de proteger os homens da cólera de Deus. Se o pensasse, era porque se colocava acima do Senhor, porque se achava mais magnânimo, mais generoso, mais misericordioso do que Ele, e isso não é possível.

«Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem» é uma fórmula que Jesus utilizou para si mesmo, para conseguir vencer e transformar a última gota de rancor que ainda poderia restar nele. Se pensais que Jesus era sempre assim tão indulgente, doce e gentil, estais enganados! Vós lestes tudo o que ele dizia aos fariseus e aos saduceus… Chamava-lhes nomes terríveis: hipócritas, cegos, insensatos, sepulcros caiados, serpentes, raça de víboras. Havia algo nele, pois, que poderia não perdoar. Mas ele queria perdoar, queria que não restasse um só átomo dessa hostilidade para com os humanos, mesmo para com os seus inimigos. Uma vez que dissera: «Amai os vossos inimigos», ele próprio devia fazê-lo para ser um modelo. Ele recordava-se do que tinha dito e, para não se contradizer, devia pô-lo em prática. Então, disse: «Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem» e foi isso que lhe deu, subitamente, o poder de perdoar.

Se se procura explicar estas palavras de outro modo, tudo se complica. É preciso supor que Jesus não acreditava muito no amor de Deus e que, então, competia a ele suplicar-Lhe que fosse bom e indulgente; por conseguinte, ele colocava-se acima do próprio Deus, e isso é orgulho. Não, Jesus pôs em prática uma fórmula puramente psicológica, uma fórmula mágica. Por intermédio dessa fórmula, colocou-se num nível muito, muito elevado, e colocou os inimigos num nível muito baixo, a ponto de suscitar em si mesmo uma grande paixão por eles. Quando se vê que os homens são ignorantes, idiotas, miseráveis, não se tem vontade de os deitar ainda mais abaixo. É isso a nobreza. A nobreza consiste em, quando se é grande, não ir atacar um pequeno, quando se é forte, não se lançar sobre um fraco. Quando um cão grande é perseguido por um cãozito que lhe ladra, nem sequer se vira para trás.

E Jesus era tão grande no seu amor, na sua ciência, na sua força, que conseguiu perdoar. Senão, com os poderes que tinha, poderia ter projetado raios que deixariam todos aniquilados. Ele perdoou precisamente para não fazer como todos os outros antes dele, que agiam segundo a justiça, que eram servidores da justiça. Na justiça não se perdoa, é olho por olho, dente por dente. Ora, Jesus viera para ensinar o amor, a piedade, o perdão das ofensas; por isso, no momento da sua morte, disse, em relação aos seus inimigos: «Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem». Quando se compreendeu bem o segredo que há nestas palavras, pode-se usá-las, e os resultados são extraordinários.1

Aquele que é pobre e fraco espiritualmente não consegue perdoar, procura vingar-se. Para perdoardes àqueles que vos fizeram mal, deveis ser magnânimos, ricos, fortes, luminosos, precisais de dizer a vós próprios: «Devo perdoar-lhe, porque, coitado, ele está privado de luz, de conhecimento, de nobreza… E também não sabe em que condições se coloca, porque as leis da justiça divina são implacáveis, e ele sofrerá para reparar o mal que fez. Eu, pelo contrário, apesar de ser a vítima, tenho o privilégio de trabalhar para o bem, para o Reino de Deus, para a luz.» Ao pensardes deste modo, comparando todo o esplendor no qual viveis, por terdes escolhido o caminho do bem, com a miséria e a escuridão daqueles que são injustos e maus, sois possuídos por um sentimento de piedade, de indulgência e de amor. Aquilo que não conseguíeis obter de nenhuma outra forma, obtende-lo facilmente deste modo.

Algumas pessoas dirão: «Mas essa atitude assemelha-se muito à do fariseu do Evangelho, que orava no templo agradecendo ao Senhor por não ser como o publicano que estava ajoelhado a alguma distância dele. Isso é orgulho!» De modo nenhum! O fariseu gabava-se de jejuar duas vezes por semana, de dar o dízimo de todos os seus bens, e desprezava sem razão o publicano, que talvez fosse melhor do que ele. A atitude de que vos falo é diferente. Estou a explicar-vos que, se fordes vítimas de calúnias ou de injustiças, ao reconhecerdes todos os esplendores que Deus vos deu (e dos quais o vosso inimigo está privado), compreendereis que, na realidade, sois privilegiados. Por agora, o triunfo pertence ao vosso inimigo, sim senhor, ele conseguiu fazer-vos mal, mas, apesar disso, ele é que é de lamentar, porque fazer mal é sempre lamentável, e um dia a justiça divina puni-lo-á, de uma maneira ou de outra. Estais a ver? É completamente diferente, e é neste sentido que é necessário compreender as palavras de Jesus: «Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem».

É bom ler os Evangelhos, mas é necessário saber aprofundá-los e compreender o que se passava na cabeça e no coração de Jesus quando pronunciou certas frases.2 Quando ele disse: «Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem», ligou-se ao seu Pai para conseguir perdoar aos inimigos. Não penseis que, para Jesus, era fácil perdoar tudo, pois havia pessoas de quem ele não gostava. Ele quase detestava os fariseus, os saduceus e os chefes da Igreja. Vós direis: «É a primeira vez que ouvimos tal coisa!» É possível, mas toda a sua atitude para com eles o demonstra. Isso não significa que Jesus era mau, não, mas ele era da maior integridade e da maior honestidade, e os homens honestos não podem gostar daqueles que são falsos, hipócritas, injustos; isso é normal. Essa é a razão por que ele fustigava os fariseus e os saduceus, ao ponto de os humilhar. Evidentemente, com base nisto poder-se-ia dizer que Jesus não agia com diplomacia nem com psicologia, porque deveria saber à partida que, ao atacar pessoas inteligentes, instruídas e até eruditas, que ocupavam os mais altos cargos, corria grandes perigos. Ele desmascarava-os constantemente, mesmo em público, diante dos outros; apontava os seus defeitos, dizendo: «Ai de vós, que fechais aos homens o Reino dos Céus. Não só vós próprios não entrais, como impedis os outros de entrar.» Ele criticava-os também por procurarem obter os melhores lugares nos banquetes e nas sinagogas, por roubarem os bens das viúvas, etc…

Se Jesus não tivesse sido tão violento com os fariseus e os saduceus, por certo eles não lhe teriam feito tanto mal. Mas ele provocava-os. Temos de ser honestos e sinceros: Jesus provocava-os constantemente. Então, como quereis que os outros aceitassem semelhante situação? Não conseguiam. É certo que eles mereciam todas essas repreensões, mas Jesus poderia tê-los importunado um pouco menos. «Então, direis vós, porque é que ele fez isso?» Para que as Escrituras se realizassem, para que a sua missão se realizasse. Estava escrito. Se ele não tivesse agido desse modo para com os fariseus, não teria sido crucificado e a História teria tido outro curso; nada do que aconteceu em seguida teria ocorrido.

Assim vos explico, caros irmãos e irmãs, como é que Jesus, quando se encontrava na cruz, teve de fazer um trabalho sobre si mesmo para superar tudo e usou esta fórmula para perdoar aos seus inimigos. É impossível encontrar na Terra alguém que não sinta hostilidade em relação a esta ou àquela pessoa. Mesmo os seres mais elevados não conseguem escapar a alguns pensamentos ou alguns sentimentos negativos. Só que eles possuem toda uma ciência, com métodos e fórmulas graças aos quais conseguem vencer todas as suas fraquezas, transformando-as, e é nisso que está o seu mérito. Não julgueis que eles nascem absolutamente cheios de amor, de inteligência, de sabedoria, e dotados de todas as virtudes; não, têm de adquiri-las. O saber e o poder, é preciso adquiri-los. É certo que o homem vem à terra com certas qualidades que já adquiriu noutras encarnações, e Jesus veio com riquezas e virtudes imensas, mas havia ainda nele, certamente, uma ou duas fraquezazinhas que era preciso vencer.

Eu sei que os cristãos nunca aceitarão semelhante coisa, porque pensam que isso diminuiria o valor de Jesus. Mas não, pelo contrário; para mim, Jesus ganhou maior dimensão quando eu soube como ele conseguiu vencer tudo. Mesmo o medo que se apoderou dele no Jardim de Gethsémani, ele conseguiu vencê-lo, acabar com ele. Que guerra! Que luta! Aquele medo eram forças milenares que se encontram ocultas no corpo humano, eram monstros, hidras, dragões, e ele conseguiu vencê-los. O suor pingava da sua fronte como gotas de sangue e ele orou ao seu Pai: «Pai, se for possível, afasta de mim esta taça…» Mas, logo a seguir: «Contudo, faça-se a tua vontade e não a minha.» E quando estava na cruz, Jesus gritou: «Elohi, Elohi, lama sabachtani?», que significa: «Meu Deus, meu Deus, porque me abandonaste?» Para ele dizer tal coisa, para se sentir abandonado por Deus, é porque estava perturbado. Na realidade, Deus não o abandonara, mas esta impressão de abandono pode ser sentida mesmo pelos maiores Iniciados. De seguida, Jesus recuperou a plenitude e a luz, e morreu dizendo: «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito.» Não julgueis que, ao dizer isto, eu estou a diminuir a glória de Jesus. De modo nenhum! Para mim, Jesus é um ser muito elevado, mais do que para qualquer religioso, que, na realidade, ainda não sabe quem é Jesus. Sim, mesmo estabelecendo eu uma diferença entre Jesus e o Cristo, para mim Jesus é um ser muito elevado.3

Falei-vos com frequência da personalidade (a nossa natureza inferior, humana ou mesmo animal) e a individualidade (a nossa natureza superior, divina). Esta distinção permite compreender os diferentes estados pelos quais um ser humano pode passar. Regra geral, confunde-se tudo e diz-se «Jesus…» ou «o Cristo…» sem estabelecer qualquer diferença. Jesus era o homem, o homem que viveu na Palestina numa dada época; e o Cristo é o princípio divino que Jesus recebeu em si e que se manifestava através dele. Infelizmente, nem o maior Iniciado consegue manifestar sempre a sua natureza divina. Então, quando Jesus estava sem ânimo, era o homem, a personalidade, se quiserdes, que falava nele. E o homem pode também guardar rancor, pode ter medo da morte, pode sentir-se abandonado por Deus. Não foi o Cristo que falou naquele momento na cruz. Como é que o Cristo, que é Deus, poderia ter-se abandonado a Si mesmo?

Por vezes, Jesus sentia-se fatigado, também tinha fome, sede, sono, e isso é normal. Mas, quando o Cristo falava através dele, dizia: «O meu Pai e eu somos um…»4, «Eu sou o pão vivo descido do Céu…», «Eu sou a luz do mundo…»5, «Eu sou a ressurreição e a vida…»6, «Eu sou a videira e vós sois os sarmentos…»7, «Eu sou o caminho, a verdade e a vida…»8. Isto é claro, não é? No que diz respeito à parte humana, pode haver, de vez em quando, lacunas, deficiências, pode-se ficar um pouco sombrio. Mas, quando o princípio divino se manifesta, quando o princípio divino fala, não há deficiências, não há erros, não há fraquezas. É preciso ter esta chave para se saber, quando se lê os Evangelhos ou qualquer outro livro sagrado, se em determinado momento é o homem ou é a divindade que se manifesta através de um ser.

Em relação a vós, é a mesma coisa. Deveis saber que possuís duas naturezas e não as confundir. Deveis saber aquilo que é divino e aquilo que é humano em vós. Mas é precisamente neste domínio que as pessoas cometem falhas e erros; é em relação a isto que as pessoas mais se enganam. Quando a voz divina fala para dar bons conselhos, não acreditam nela e fazem asneiras. Mas quando é a voz da personalidade que fala, dão-lhe ouvidos prontamente e também fazem asneiras… Há que saber discernir. Ainda não se deu importância suficiente a esta questão: saber distinguir as duas naturezas e qual delas escutar. É muito importante, porque as consequências que daí advêm são imensas. Todas as infelicidades do homem provêm da sua incapacidade de discernir quando é a personalidade e quando é a individualidade que procura influenciá-lo. Tenho-vos falado imensas vezes acerca desta questão, tenho insistido nela, mas vós não lhe prestais atenção, deixai-la de lado,
porque achais que é pouco apaixonante. Contudo, é disso que depende o vosso progresso, o vosso sucesso, a vossa felicidade. Não há nada mais importante do que saberdes o que se passa em vós, de onde isso vem, quem vos inspira…

Suponde que Jesus escutava a sua personalidade, o medo… Como São Pedro, que, na primeira vez em que Jesus falou da sua morte, disse: «Não, Senhor! Isso nunca irá acontecer-te!» E Jesus respondeu: «Arreda, Satanás! Tu és para mim pedra de tropeço, pois não cogitas nas coisas de Deus, mas nas dos homens.» Aqui vê-se, na verdade, que Jesus não só fez bem a distinção entre os pensamentos de Deus e os dos homens, entre a individualidade e a personalidade, como viu bem que esta tentação lhe era enviada pelo diabo, pois disse: «Arreda, Satanás!» Esta luta entre a individualidade e a personalidade repetiu-se depois no jardim de Gethsémani, e desta vez já não foi através de São Pedro que a personalidade se manifestou, mas através do próprio Jesus. E também aí ele disse à sua personalidade: «Cala-te!», e ao Senhor «Faça-se a tua vontade e não a minha!» E pronto! Ele tinha de sofrer, tinha de perecer, mas disse: «Faça-se a tua vontade!» Rejeitou a personalidade e inclinou-se perante a Divindade. Mas quem vos explicará as coisas deste modo? Diz-se sempre: «No jardim de Gethsémani, Jesus começou a sentir a angústia da morte… Quando foi crucificado, Jesus disse: «Pai, perdoa-lhes, porque eles não sabem o que fazem», mas não se vê as verdades iniciáticas que estão contidas nestes momentos da vida de Jesus, não se vê que se trata de processos psíquicos, de forças em presença, nem como elas se enfrentam, nem qual é a participação do próprio nesta luta.

As palavras que Jesus pronunciou na cruz – «Pai, perdoa lhes, porque eles não sabem o que fazem» – só podem explicar-se por intermédio de uma luta entre a personalidade e a individualidade, e foi a individualidade que venceu esta luta. Julgais que, para Jesus, era fácil perdoar a pessoas que tinham escarnecido dele, que lhe tinham batido, que o tinham coroado de espinhos e crucificado?… Mas ele ligou-se à sua individualidade, ao seu Pai Celeste, e por intermédio d’Ele, por intermédio do amor e da luz incomensuráveis de Deus, perdoou aos seus inimigos e aos seus algozes. Acreditai em mim: só um ser que trabalhou durante toda a sua vida para se unir à Divindade, para a introduzir em si mesmo, e que agora é habitado pela Divindade, pode perdoar como Jesus perdoou.

E vós, caros irmãos e irmãs, estais no Ensinamento, estais na Fraternidade, e já tivestes tantas comunicações e experiências com o mundo divino que deveis considerar-vos muito privilegiados, muito ricos, e saber utilizar essas riquezas. Se alguém vos fizer mal, deveis dizer: «Meu Deus, como este homem é ignorante, pobre e fraco! Tenho de perdoar-lhe, porque o Céu deu-me tantas coisas a mim, e a ele, nada… Na verdade, ele merece que eu tenha pena dele e que faça qualquer coisa por ele.» Nesse momento, tudo se transforma; em vez de alimentardes em vós o rancor e os desejos de vingança, de imediato tudo se apaga. Porquê? Porque não se pode ser severo para com alguém que é tão infeliz, que tem falta de tanta coisa… Para quê bater num homem que já não tem nada? Ele está por terra; porquê destruí-lo ainda mais? Isso não se faz, não é uma atitude nobre… Se vós viveis na luz, porque é que ides fazê-lo sucumbir?… Sede generosos e agradecei ao Senhor.

Sem estes conhecimentos, ireis atormentar-vos durante toda a vida. Como não podeis destruir o vosso inimigo, viveis com rancores dos quais não conseguis desembaraçar-vos, e envenenais-vos. O vosso inimigo, esse, está tranquilo: passeia, come, bebe, dorme, faz as suas manigâncias, e entretanto vós é que vos destruís, à medida que remoeis tudo o que se passou. É preciso ser capaz de perdoar. Sim, mas não se consegue perdoar se se é estúpido e ignorante. Para perdoar, é preciso ter este saber. Será que me compreendeis?…

Que a luz e a paz estejam convosco!
Sèvres, 3 de janeiro de 1968

Notas
1. Cf. Vie et travail à l’École divine, Œuvres complètes, t. 31, cap. VIII: «Comment dépasser la notion de justice» e L’amour et la sexualité, Œuvres complètes, t. 15, cap. XXVII: «Les véritables armes: l’amour et la lumière».
2. Cf. La pierre philosophale – des Évangiles aux traités alchimiques, Col. Izvor n.° 241, cap. I: «Sur l’interprétation des Écritures».
3. Cf. O que é um filho de Deus?, Col. Izvor n.° 240, cap. VII: «O homem Jesus e o princípio cósmico ‘Cristo’».
4. Cf. O verdadeiro ensinamento do Cristo, Col. Izvor n.° 215, cap. II: «O meu Pai e eu somos um».
5. Cf. La pierre philosophale – des Évangiles aux traités alchimiques, Col. Izvor n.° 241, cap. VI: «Vous êtes la lumière du monde».
6. Cf. La fête de Pâques. «Je suis la résurrection et la vie», Brochure n.° 308.
7. Cf. Linguagem simbólica, linguagem da natureza, Obras completas, t.
8, cap. IV: «O tempo e a eternidade – I». 8. Cf. «Et il me montra un fleuve d’eau de la vie», Parte VII, cap. 5: «Je suis le chemin, la vérité et la vie».

INDICE

I «No começo, era o Verbo…» …………………………….. 9
II «Não se põe vinho novo em odres velhos» ………….. 25
III «Pai nosso…» ………………………………………………….. 43
IV «Procurai o Reino de Deus e a sua Justiça…» ……………. 65
V «Os últimos serão os primeiros» ………………………… 81
VI O Natal …………………………………………………………… 101
VII A tempestade amainada …………………………………….. 131
VIII O alto retiro …………………………………………………….. 139
IX «Pai, perdoa-lhes, porque não sabem o que fazem» … 149
X O pecado contra o Espírito Santo é o pecado contra o amor ….. 163
XI A ressurreição e o juízo final ……………………………… 199
XII «Há muitas moradas na casa do meu Pai» ………… 225
XIII O corpo da ressurreição …………………………………….. 247